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Dois sindicalistas caixeiros n’A Voz do Operário

Estiveram na linha da frente de uma geração que lutou e abriu caminho para direitos fundamentais como a folga semanal ou o limite de horas de trabalho diárias.

Amilcar Costa

Entre 1938 e 1940, o director e o chefe de redação d’A Voz do Operário foram respectivamente José Gregório de Almeida e Amílcar Costa, dois dos mais destacados sindicalistas portugueses no período da 1ª República, no sector dos empregados no comércio.

Estiveram na linha da frente de uma geração que lutou e abriu caminho para direitos fundamentais como a folga semanal ou o limite de horas de trabalho diárias. Mas cuja memória em grande medida acabou por se perder sob o peso de quase meio século de censura e repressão duma ditadura de cariz fascista. É uma história que ainda hoje continua muito mal conhecida, uma lacuna que a historiografia está ainda longe de colmatar. Mas que faz parte da história d’A Voz do Operário, pelo contributo que eles deram para a vida deste jornal e pelo espaço que aqui tiveram para se manterem organizados e activos.

Um sindicato republicano

José Gregório de Almeida era alentejano e poeta. Nasceu em 1883, no concelho de Montemor-o-Novo. E foi na sua terra, ainda no tempo da monarquia, que se tornou activista, na propaganda republicana e nas primeiras comemorações locais do Dia do Trabalhador, o 1º de Maio. Veio depois viver para Lisboa e em 1907 já era vice -presidente do sindicato (na altura dizia-se Associação de Classe) dos Caixeiros de Lisboa.

José Gregório de Almeida

Nascido na capital em 1890, Amilcar Costa era mais jovem. Mas aderiu a esse sindicato também ainda no tempo da monarquia, em 1908. Era um sindicato claramente conotado com a causa republicana, embora cioso da sua agenda própria, centrada nos problemas laborais.

Descanso semanal e horário de trabalho

À implantação da República em 1910 seguiu-se uma fase de luta e conquista de direitos fundamentais para os trabalhadores do comércio em Portugal: um dia de descanso semanal em 1911; a redução do horário de trabalho, primeiro para 10 horas diárias (e 60 semanais) em 1915, depois para 8 horas diárias (48 semanais) em 1919. Mas depois veio uma fase defensiva, em que a participação e organização de trabalhadores diminuiu e com ela baixou a força para defender a concretização desses direitos, que na prática acabaram sendo muito torpedeados.

Em 1913 José Gregório de Almeida foi fundador e primeiro secretário-geral da Federação Portuguesa de Empregados no Comércio, até 1915. Amílcar Costa desempenhou essa tarefa entre 1917 e 1919. Depois empenharam-se noutras actividades. Almeida veio a ser presidente e deputado do antigo Partido Socialista Português, além de vereador na Câmara Municipal de Lisboa. Costa também aderiu a esse partido mas dedicou-se sobretudo a associações de cariz social. Em 1929 foi um dos principais fundadores da associação Inválidos do Comércio, e depois seu secretário-geral até se aposentar, em 1959.

Ditadura

Em 1925 José Gregório de Almeida regressou às lides sindicais e ao cargo de secretário-geral da Federação Portuguesa de Empregados no Comércio. Foi nesse ano delegado ao último congresso da Confederação Geral do Trabalho (CGT). Procurou defender a unidade do movimento sindical então dilacerado por uma rivalidade entre facções. Em 1926 foi também eleito pela primeira vez como presidente da direção d’A Voz do Operário. Um dia depois dessa eleição deu-se o golpe que instaurou a ditadura militar. José Gregório de Almeida voltou assim a estar na linha da frente, nessa situação defensiva e difícil. A CGT foi dissolvida em 1927 e depois os sindicatos livres em 1933.

Placa evocativa n’ A Voz do Operário

Preso político

Amílcar Costa foi duas vezes preso político, em 1918 e em 1942. A primeira vez aconteceu sob o regime de Sidónio Pais, e o pretexto foi estar a dirigir uma greve. Na segunda vez, sob a ditadura de Salazar, aconteceu por suspeita de estar envolvido em propaganda subversiva. Mas não se deixou intimidar. E em 1945 deu a cara pela oposição à ditadura como dirigente local do Movimento de Unidade Democrática (MUD).

Quanto a José Gregório de Almeida, o último artigo que publicou antes de falecer foi no jornal conotado com a oposição à ditadura no distrito de Évora, o Democracia do Sul, que ele havia ajudado a fundar 50 anos antes. Embora limitado pela censura, despediu-se reafirmando os seus ideais de democracia e de justiça social.

José Gregório de Almeida e Amílcar Costa faleceram, respectivamente, em 1954 e 1960. Ambos foram sepultados envoltos na bandeira d’A Voz do Operário. Já não chegaram a ver o fim da ditadura. Mas contribuíram para que este jornal sobrevivesse.

E são exemplo do importante contributo dado por outros antigos sindicalistas caixeiros que durante a ditadura aqui tiveram um espaço para continuarem organizados e activos. Nomes como António Ramos Sérgio, falecido em 1945; José Antunes, director deste jornal em 1946 e depois novamente entre 1956 e 58; Eduardo Relvas, que colaborou durante décadas até à última edição publicada antes de falecer, já depois do 25 de Abril; além de outros que tiveram uma colaboração pontual, como Rui Forsado e José Ferreira Tomé.

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