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Inventário – Opções e Políticas Públicas no Património Cultural

Há algumas semanas, soubemos através da comunicação social que estão desaparecidas cerca de 170 obras de arte à guarda da Direção Geral do Património Cultural. As obras fazem parte da “Coleção SEC” (Secretaria de Estado da Cultura) – a coleção de arte contemporânea do Ministério da Cultura que foi recolhida ao longo dos últimos 50 anos. A ministra da Cultura, Graça Fonseca, fez saber que as obras não estavam desaparecidas mas, antes, “por localizar”. Significa isto que há fichas de inventário que contabilizam um determinado número de obras, sendo que se desconhece a localização de algumas delas. A coleção conta com um total de 1367 obras de arte, entre pintura, fotografia ou desenho. As práticas museológicas têm mudado muito nos últimos vinte anos. Do inventário à conservação preventiva das obras de arte, as políticas seguidas pelo Estado, bem como a legislação nacional e internacional, evoluíram e hoje podemos dizer que certos atentados ao património cultural dificilmente se repetirão. Porém, o Estado nem sempre foi zeloso com o seu património e manteve-se o hábito de utilizar obras de arte como se fossem elementos decorativos de gabinetes institucionais. Esta opção, cujo mérito ou legitimidade poderemos discutir, não seria prejudicial se as práticas de inventário tivessem sido consolidadas mais cedo. Nos últimos anos, a Rede Portuguesa de Museus tem tentado instituir processos de uniformização de inventário, de modo a que se garanta informação tão simples como a localização exata das obras, o seu percurso e o historial. Salvaguardar o património cultural não passa apenas por ter as obras de arte em lugares adequados. Para assegurar estas práticas são necessários dois recursos fundamentais: provisão pública e trabalhadores qualificados. Inventariar perto de 1500 bens, por exemplo, não é uma tarefa pequena, sobretudo se estiverem espalhados por locais diferentes. No caso que aqui identificámos trata-se de uma coleção imponente de obras de arte. Mas isto levanta-nos sérias dúvidas sobre a exata localização de bens culturais com menos relevância mediática, à guarda de diversas instituições públicas. Talvez por isso seja importante percebermos o que é que está conformado na lei portuguesa sobre bens culturais e a sua salvaguarda. A lei 107/2001 – Lei-Quadro do Património Cultural – atribui ao Estado a responsabilidade de salvaguarda do património cultural como “tarefa fundamental”. Para tal, estabelece-se como princípio geral a inventariação, de modo a assegurarse “o levantamento sistemático, atualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes com vista à respetiva identificação”. Poderíamos conferir o ónus dessa responsabilidade aos técnicos cujas tarefas passam pela incorporação e inventário dos bens culturais. Porém, numa observação mais atenta podemos verificar que as opções das instituições públicas nem sempre passam por aí, havendo cada vez mais preocupações com a divulgação mediática de certas obras. Trata-se, assim, de um problema de opções nas políticas públicas. Não podemos ter duas velocidades: a de um Estado que legisla com uma determinada filosofia, obedecendo à tendência das convenções internacionais, e a de um Estado que opta por outras prioridades. Não podemos ter um Estado que investe na divulgação e no acesso sem antes investir no inventário, que é a única ferramenta que possibilita a investigação que, por sua vez, permitirá a divulgação estudada, lógica e oportuna do próprio património (por exemplo, em exposições). Não podemos, por fim, ter um Estado cuja lei determina o seu papel de garante da salvaguarda e um Estado que permite aos indivíduos que vão passando pelos cargos que se apropriem de obras para decorar os seus gabinetes sem que isso fique devidamente registado.

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