“A Voz do Operário é a casa dos amigos”

Prestes a lançar mais um álbum, aos 65 anos, Carlos Alberto Vidal continua a mostrar jovialidade apesar de ser o avô mais conhecido dos portugueses. É uma trajetória de vida atravessada por diferentes registos musicais mas profundamente caraterizadapelas canções infantis que marcaram muitas gerações desde 1982. Este mês, vai ser homenageado pel’A Voz do Operário, passando a fazer parte da lista de ilustres sócios honorários que ano após ano são reconhecidos pela instituição.

Nasceu na Lousã. Que influências ficaram?

As influências que ficaram não foram musicais mas foram determinantes para o adulto que depois eu seria. O facto de ter nascido ali num ambiente de província, interior do país, naquela época, aquilo moldou-me de certa forma. Os meus avós viviam perto da serra que eu frequentava muito. Tive um contato desde muito cedo com a natureza pura e dura. Ali, no sopé da serra. Além disso estamos a falar de uma área muito rica a nível turístico. As ermidas de nossa senhora da piedade, o castelo dos mouros…e eu fazia muito esses percursos da casa do meu avô até essas zonas. Os percursos em si também eram muito bonitos e eu imaginava-me nas mais variadas situações, às vezes cavaleiro, outras vezes outra coisa. Eram caminhos que se faziam com muita brincadeira à mistura. Eu adorava aquele ambiente, sinto que foi determinante para a pessoa que eu sou hoje no sentido de eu ter sempre uma ligação profunda com a natureza que me rodeia, esteja eu onde estiver. 

Continua a ir lá?

Sim, vou com regularidade. Tenho fases em que vou mais vezes por um motivo ou outro e depois fico assim uma temporada mais longa sem ir. Quando surge a oportunidade é sempre bom porque é um regresso a casa. Tenho lá alguma família e tenho lá também alguns amigos desse tempo. Quando nos vemos é sempre agradável. Recordar, conversar e sentir que passados tantos anos estamos vivos.

Como era a relação que tinha com os seus avós?

Era uma relação bonita, agradável. O meu avô materno também era músico. Tocava na banda filarmónica e não sei se não terei herdado dele algum gosto pela música. Sei que anos depois eu viria a ser músico também. Ainda com o meu avô vivo, já tinha o meu primeiro disco gravado e ele tinha um grande orgulho do neto que cantava na televisão. 

O Avô Cantigas é inspirado nessa relação?

Não. No momento da criação do Avô Cantigas o meu avô já estava fora da equação. Embora, atenção, a figura do meu avô seja determinante para a minha formação como pessoa e tenha sido ele o responsável pelo primeiro contacto que eu tive com alguns instrumentos. Agora, quando eu e o António Pinho criamos o Avô Cantigas que, por ser avô, era consensual uma família, transversal, que obviamente tinha de ser uma figura afetuosa, patusca, simpática e fomos assim criando a personagem…com o meu avô, como eu disse, já fora da equação. 

Quando é que chega a Cascais?

Tinha 12 anos. Não sofri muito. Gostava daquele ambiente bucólico em que vivia. Os meus pais vieram trabalhar para a Quinta da Marinha e eu vivia naquele pinhal extenso e bonito, perto do mar. Mudou radicalmente a natureza que me rodeava mas continuava a ser muito verde, agora com o acréscimo do mar, aquela experiência nova para mim que também veio influenciar muito a minha pessoa. Se agora me visse sem o mar talvez sentisse mais a falta.

Como é que entra na música?

Acontece de forma natural. Imitava nomes como o António Calvário, Artur Garcia, Rui de Mascarenhas, Madalena Iglesias, Simone de Oliveira ou a Maria de Lurdes Resende. É bom recordar estes nomes porque fazem parte da minha cultura musical quando eu tinha cinco, seis anos. Eu gostava de os imitar. Digamos que aí mostrei que queria entrar nesse mundo. A ponto de começar a cantar nas festas de natal da Companhia de Papel do Prado, uma fábrica que ainda hoje existe na Lousã, onde o meu avô trabalhava. É daí que vem o meu nome artístico Vidal. É por parte do meu avô porque era assim que ele era conhecido. Tinha seis anos e foi a minha primeira aparição em palco, nessa altura longe de imaginar que a minha vida seria a música. Quando vim para aqui eu entrava em todas as atividades extracurriculares dos Salesianos do Estoril. Fazia teatro e entrei para o grupo musical. Também fazia parte dos escuteiros do Estoril onde aprendi a tocar guitarra. A música estava sempre presente. Tinha um amigo na escola que tinha uma viola. Era meu vizinho e lembro-me de fazer apostas com eles sobre resultados de futebol ou de outras modalidades. Nem me lembro o que fazíamos quando eu perdia, mas quando ganhava ele emprestava-me a guitarra durante a noite para eu levar para casa. É um pormenor engraçado. Esse amigo conhecia a Rita Ribeiro que, como nós, vivia na Parede. Ficámos amigos e eu acabei por desenvolver uma relação muito próxima com a mãe dela, a atriz Maria José. Ela tinha um companheiro ligado ao Rádio Clube Português e nas nossas tertúlias a música tomava conta das nossa vidas. Foi quando surgiu a oportunidade de mostrar uma cassete a uma editora discográfica que se estava a formar e que acabou por lançar o meu primeiro disco. É aí o início da minha carreira em 1973. Já lá vão 46 anos.

A primeira cassete era o quê?

Era uma canção de uma certa intervenção social porque era uma sátira e uma crítica à família institucional que prendia as meninas em casa. As mulheres estavam presas em casa, saiam acompanhadas pelo irmão e se fosse à noite era com regras muito bem definidas. A minha música fazia uma sátira. Não me enquadrava bem na canção de intervenção porque depois também cantava músicas românticas no tom do Paulo de Carvalho ou do Carlos Mendes que eram os meus ídolos da altura.

Que fizeram também música de intervenção.

Sim, muito. Eu nunca, embora tenha estado sempre ao lado deles. Tive estilos variados, fiz outras incursões. Passei pelo rock progressivo quando gravei o Changri La com uma música muito diferente dos meus dois primeiros singles que eram de música mais ligeira. Soltei ali outro músico para mostrar aquele que ainda hoje é um disco que desperta uma certa curiosidade. Depois disso, voltei a mudar e gravei um disco de música mesmo ligeira com a produção de um maestro que tinha um estilo bem definido ligado àquela música ligeira de grande qualidade. Era a noite e o dia em relação ao Changri La. Os primeiros nove anos de carreira foram muito transversais em estilos de música. Também gravei um pop rock, o Pensamento, que se distanciava muito de tudo o que tinha feito até aí. Não era rock puro e duro, era um pop rock moderno. Estamos a falar de singles em vinil. Um romântico que era Os Olhos Tristes e gravei depois umas coisas popularuchas com arranjos modernos que funcionaram bem. Já depois desse pop rock mais europeu que foram as canções Ó Zé Bate o Pé gravei outra brincalhona do tipo Quim Barreiros. Chamava-se a Cantiga do Chouriço e teve um êxito assinalável.

Também usava as metáforas como o Quim Barreiros?

Não era jocosa. Contava a história de um chouriço que ia para a tropa. Passava por todas as patentes do exército mas acaba em general. Era uma brincadeira que se tivesse sido gravada pelo Quim Barreiros teria mais sucesso. Fui por aí pela versatilidade mas depois há uma altura, em 82, em que nasce o avô cantigas e eu nunca mais deixei de fazer música para crianças. Até hoje, 37 anos depois, que é a idade do avô cantigas.

Ele nasce em que mês?

Janeiro. Tem 37 anos e um mês. O que acontece é que nesta altura eu estou a terminar um disco do Carlos Alberto Vidal. Conto isto em primeira mão.

Conte-nos mais.

Deve estar pronto daqui a dois meses. É uma espécie de reencontro para as pessoas que acompanharam o meu trabalho antes do Avô Cantigas. Embora eu às vezes vá por alguns caminhos que não determinam seguir um estilo. Depois de um intervalo de 37 anos apareço bastante romântico. São 11 músicas, só duas ou três é que fogem do lado mais tranquilo que o álbum tem. É um álbum virado para o romantismo onde, tentando não ser banal, não consegui impedir-me de ser romântico. É tranquilo, às vezes até jazzistico. Vai chamar-se Ao Entardecer e fica bem precisamente nesse momento em que o dia acaba. 

É difícil soltar-se do Avô Cantigas?

Não sei porque nunca tentei soltar-me. Não é um peso porque muitas das crianças que acompanham ou acompanharam o Avô Cantigas também cresceram e mantêm até hoje uma ligação sentimental a esta personagem. Mesmo os avós. É engraçado que há gerações que me viram a animar os filhos e continuam a ver-me agora com os netos. Acabo por estabelecer uma relação com todas as idades e essas pessoas quando ouvem as canções deixam tocar-se por elas. A prova também é a minha entrada naquela iniciativa da marcha d’A Voz do Operário. Foi o reconhecimento da relação que mantenho com as crianças e o reconhecimento musical que foi escrever a marcha há mais de 30 anos. É aí que aparece a ligação com A Voz do Operário. Foi a minha casa e continua a ser. Naquela altura houve uma empatia que nunca mais me deixou desligar. Já fui padrinho várias vezes, já dei concertos, entre eles um no Rossio que foi memorável com centenas e centenas de pessoas e crianças a colaborar. Tive e continuo a ter o privilégio de voltar sempre ao salão d’A Voz para festas de natal ou de final de ano, mas há vezes em que vou só para confraternizar e ver os amigos que já têm décadas. É a casa dos amigos. É uma ligação sentimental que há de ficar para sempre no meu percurso. 

E depois passado uns anos aparece com o Fantasminha Brincalhão…

Foi talvez há 11, 12 anos. Acontece 20 anos depois do Avô Cantigas, numa altura em que eu já tinha tido outros fantasminhas brincalhões pelo meio. Fiz o álbum as histórias do corpo humano que foi importante para as crianças, fim o planeta azul sobre o ambiente, fiz outro sobre segurança rodoviária… trabalhos que foram cimentando a carreira. Com o Fantasminha ficou ainda mais cimentada porque o sucesso do projeto foi o maior de todos. Só comparável com o início do Avô Cantigas no Passeio dos Alegres com o Júlio Isidro. Agora estou a preparar um álbum novo que deve sair lá para o fim deste ano.

Que tipo de mensagem é que gosta de transmitir quando canta?

A mensagem que eu gosto de passar é muita alegria de viver e muitos pulos. É uma mensagem visual. Quando entro em palco sou eu que entro e o meu espetáculo corre sem grandes imprevistos mas quem está ali sou eu. Entro sempre com muita vivacidade para transmitir energia. É um culto muito próprio. Pratico atletismo com muito gosto e tenho mantido uma forma física que me permite fazer isto. Ainda hoje participo numa ou noutra prova e levo a coisa a sério. Ajuda-me a estar em palco como se tivesse 30 anos. A música também é muito viva. A mente não tem idade e eu continuo a ser moderno na orquestração de cada canção. Ao longo de 37 anos, o Avô é sempre moderno. A música é divertida. É um avô que gosta de se mexer e que gosta de dançar. Outra coisa que para mim é preciosa é quando falo com eles. Relaciono-me de uma forma muito viva e às vezes comporto-me como um líder. Aprendi que quando estamos num palco não nos devemos dirigir às pessoas como se estivéssemos num banco de jardim. É diferente. Apreendendo essa diferença consigo em cima do palco atuar de forma a criar uma interação. Não estou ali a inventar nem a vender banha da cobra e as crianças acabam por se entregar ao discurso. Mesmo os adultos voltam a ser crianças e a ser conduzidas por aquele avô que no fundo é o mesmo há 37 anos. O grande segredo é a comunicação. Se eu fosse antipático, carrancudo, pouco dado não pegava, não teria resistido tanto tempo como resistiu. Parece vaidade mas não é. O Avô Cantigas resiste porque na minha vida pessoal, quando me encontram no supermercado, não sou muito diferente do que levo para o palco. 

O que significa para si ser homenageado pel’A Voz do Operário este ano?

Quero agradecer o reconhecimento d’A Voz do Operário. Para mim é um privilégio e valoriza a minha história de vida. Sou uma pessoa que não tem muito o hábito de receber atenções e ser sócio honorário d’A Voz é um reconhecimento especial. Se eu pudesse imaginar uma montra de troféus seria uma distinção para tornar a prateleira mais pesada.

Artigos Relacionados