Opinião

Literatura

Nada Cresce ao Luar, de Torborg Nedreaas

Publicado em 1947, Nada Cresce ao Luar, da escritora norueguesa Torborg Nedreaas, é considerado um dos mais importantes títulos da literatura nórdica da primeira metade do século XX.

Texto a um tempo violento e admirável, Nada Cresce ao Luar, título ambíguo para acolher um longo monólogo de uma mulher que, desde a adolescência, procurava sair do seu estreito meio, emancipar-se e conseguir evadir-se da sua cidadezinha, da casa dos pais, abandonar a pobreza, a casa insalubre, a mãe tornada escrava do marido e das filhas, o horizonte hostil de um universo fechado e pobre.

Numa noite, as noites azuis da Noruega em que, mesmo na Primavera, o frio persiste, um homem encontra numa estação ferroviária uma mulher aparentemente debilitada, mas bela, e oferece-lhe ajuda. A rapariga não recusa o generoso gesto do desconhecido e acompanha-o até casa e, durante uma noite de espanto e descoberta do mais íntimo da condição humana, dos seus medos, amores, desgraças e fantasmas, ela irá contar ao desconhecido o seu dramático percurso de vida incerta.

O homem, que apenas quer compreender e ajudar aquele ser desamparado e frágil, ouve-a contar a sua história, a paixão arrebatada pelo professor do liceu logo na adolescência, tornando-se dele amante obcecada, perante as recusas deste para que a sua ligação prossiga, ela desespera e a sua vida fica atravessada pela paixão, e fora de controlo. Tempos de escuridão e de sombras, de medos e angústias, por um amor não correspondido, a que a pobreza e o seu meio social apenas contribui para a alienar ainda mais. Segue-se a gravidez, o amante a negar-lhe condição de ser mãe e de apoio, sugerindo, para se libertar desse peso moral, que ela aborte. Sem alternativa, com a rectaguarda familiar a negar-lhe apoio, por preconceitos, ela irá abortar em condições desumanas. Será, a partir desse acto desesperado, continuamente abusada, umas vezes por necessidade económica, outras por arrebatamentos incontroláveis e a sua incessante luta pela autonomia impossível, num espaço e num tempo em que os homens são ainda quem impõe e domina as regras, num sistema capitalista opressor e sem consciência que torna os mais frágeis, as mulheres, ao caso, dependentes da sua vontade, sem cuidar que eles também são vítimas do sistema.

A longa noite em que ela conta a sua história de vida a um desconhecido, funcionará como catarse dos seus medos, de um confronto doloroso consigo, num desesperado processo de autoanálise, sem autocomiseração e sem negar a sua responsabilidade nesse percurso (nós somos os únicos responsáveis pelos nossos actos, ensinou-nos Sartre, quando ainda nos interrogávamos sobre o absurdo existencial), mas reconhecendo ser o feroz sistema capitalista gerado pelo pós-guerra, o principal responsável pela alienação e o desamparo, em que muitos seres humanos são tragados.

Com uma escrita poderosa, visceral e emotiva, em que esta longa noite entre um homem que sabe ouvir e uma mulher que em desespero se quer contar, não deixa de ser, na sua crueza, uma ode ao amor ainda possível ao desejo e ao entendimento entre dois solitários seres, num monólogo longo que nos arrebata desde o início. Nem tudo estará perdido.

Torborg Nedreaas (1906-1987) nasceu em Bergen e é considerada uma das mais importantes escritoras norueguesas, a sua escrita reflecte, de forma progressista, as grandes questões sociais e políticas, nomeadamente a condição da mulher numa sociedade capitalista e patriarcal, dos finais do século pretérito.

Nada Cresce ao Luar, de Torborg Nedreaas, tradução de João Reis – Edição D. Quixote/2025

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