Opinião

Ciência

Fugas de cérebros cá dentro

O oásis dourado do investimento externo como alpha e omega de modelo de desenvolvimento tem sido o mote para a implementação e viabilização de cenários económicos com escolhas políticas, vincadamente, neo-liberais.

O privilégio constante do capital e da facilitação da geração de lucro acumulável e intocável pela tributação é apresentado como de interesse superior para os trabalhadores ao invés de serviços públicos e ferramentas de distribuição de riqueza que são linhas características de um estado com políticas fortes em sectores chave como a habitação, saúde, educação e principais linhas orientadora de uma política económica de prosperidade para todos. A cada solução concreta para um problema do povo apresenta-se o medo de espantar um qualquer fundo ou actor privado do mercado, mesmo que este não sirva a maioria, sendo o caso mais evidente, no momento, o problema da habitação.

O Santo Graal do investimento externo é o das grandes tecnológicas. Não há primeira página que não espere por uma notícia sumarenta de uma tecnológica de nome sonante com interesses em solo nacional. Todo o investimento daí vindo é uma promessa modernizadora da economia nacional e fixadora de talentos “made in” Portugal. Depois de disputada a localização, segue-se o anúncio da verba investida e dos postos de trabalho. Conseguidas umas quantas proezas destas, monta-se um “qualquer-coisa-valley” e pinta-se de modernidade toda a envolvente.

Escalpelizado este investimento, encontramos uma realidade pouco discutida. Em muitos casos, escritórios com serviços mais ou menos inúteis ao cerne do negócio das grandes tecnológicas, que procuram na maioria das vezes mão-de-obra barata para serviços menos relevantes e pouco ou nada tecnológicos. Não raros são os casos em que produtos de elevado valor acrescentado são desenvolvidos em parceria com muitos outros polos, pelo mundo espalhados, sem que se concentre, fora da casa mãe, a totalidade do desenvolvimento, muito menos o grosso da sua mais-valia. Noutros casos, desenvolvimentos tecnológicos de elevado valor acrescentado são adquiridos para controlo de mãos estrangeiras, todos os produtos ou serviços produzidos, encontrando-se na área da propriedade intelectual, são escoados para fora do país sem qualquer mais-valia local, acabando vendidos e facturados em paraísos fiscais. Essas empresas, mesmo constituindo uma parte importante de investigação e desenvolvimento e de produção de tecnologia de ponta, não apresentam resultados financeiros próprios relevantes e devem toda a propriedade à casa mãe.

Em todos estes casos, o contributo para a modernização da economia é diminuto ou nulo, por mais que alguns políticos enchem de glamour o nome dos parques tecnológicos. No que toca ao erário público, vemos apenas contribuições do trabalho, resultado da tributação do salários dos trabalhadores, visto que as facturações são de escassa relevância. Da retenção de cérebros fica a massa cinzenta, bem verdade e até relevante, mas em contínua produção da riqueza de outras nações e não assim tão diferente dos emigrados, no que toca ao progresso e modernização da economia nacional.

É pouco provável, e assim foi sempre no passado, que seja de fora que se dê o impulso da modernização da economia de outro país. Até porque os avanços tecnológicos sempre foram matéria de proteção nacional, já no séc.XIII havia poucos sítios melhor guardados, na Europa, do que as oficinas de produção de vidro, onde cada avanço na tecnica era considerado um segredo de estado!

No domínio da tecnologia e do desenvolvimento (palavra empoeirada desde a vacuosa “inovação”) as vantagens, para o progesso das populações, têm sido sempre conseguidas com políticas de apoio à ciência e investigação (não se leia inovação) públicas capazes de formar quadros técnicos de elevada qualidade e massa crítica capaz de alimentar uma economia de elevado valor acrescentado na produção nacional. Deste importante capital humano e do seu conhecimento devem, depois, ser fomentadas políticas de investimento público que fomentem o seu uso na modernização da indústira existente e na criação de novas linhas de produção em áreas relevantes para o sistema produtivo nacional, que sirvam o país e em que nos possamos, também, destacar internacionalmente pela qualidade e originalidade.

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