A proposta de lei do Orçamento do Estado (OE) para 2025 foi aprovada na votação final global com os votos favoráveis dos deputados do PSD e do CDS-PP e a abstenção determinante do PS que evitou o chumbo do documento. Em jeito de balanço, o primeiro-ministro afirmou que o PS e o Chega também têm responsabilidades nas medidas aprovadas, uma vez que muitas delas receberam o voto favorável destes dois partidos.
Enquanto os deputados votavam nas bancadas da Assembleia da República, milhares de trabalhadores manifestavam-se no exterior respondendo à convocatória da CGTP-IN para contestar as medidas que acabaram aprovadas. Era a segunda manifestação, no espaço de uma semana, contra o OE e o secretário-geral da central sindical denunciou que o governo não percebe a dificuldade da maioria da população em chegar ao fim do mês e ter de optar entre pagar a casa ou pôr comida na mesa.
“A questão fundamental é que 850 mil trabalhadores, auferem não de 820 euros, mas sim 730 euros. Era bom que o governo explicasse a estes portugueses qual é a diferença que 50 euros vai fazer nas suas condições de vida”, destacou. Tiago Oliveira recordou ainda que quando fala com outros trabalhadores, o lembram que a prestação da casa aumentou 25% no último ano, ao mesmo tempo que os lucros da banca atingem recordes.
De acordo com o economista Tiago Cunha, o que prejudica mais os trabalhadores é a articulação “que está presente no OE” entre o documento e as próprias políticas do governo “como um todo”. No seu entender, toda a despesa “está subordinada às lógicas de mercado”. E dá exemplos. “É assim na habitação em que ao invés de uma aposta forte na habitação pública, no controle de preços e no mercado de arrendamento público, também aqui o que temos são instrumentos de utilização de medidas que pretendem, no fundo, dar subsídios aos inquilinos para que eles possam alugar as casas aos preços em questão e isso é completamente incomportável”, refere. Na sua opinião, o mesmo acontece na área da saúde “em que a aposta já não é no Serviço Nacional de Saúde mas num sistema de saúde e numa crescente privatização do próprio direito à saúde transformando-o em negócio”.
No plano fiscal, este economista olha para “elementos negativos” no OE que mostram como “a perspetiva dominante se afasta do ponto de vista constitucional”. “A fiscalidade deve por um lado garantir os meios financeiros para que o Estado desenvolva a sua atividade e, por outro, combater as desigualdades que se verificam na repartição do rendimento”, recorda. Nesse sentido, considera que este documento vai contribuir para uma situação ainda mais injusta, lembrando que grande parte da receita “vem dos impostos indiretos e em que esta dimensão da receita não só se manteria como seria agravada”. Tiago Cunha contesta ainda a baixa do IRC e o estatuto dos benefícios fiscais denunciando a “retórica ardilosa” do governo ao juntar as empresas “todas dentro do mesmo saco”. Considera que este OE vai implementar medidas que “beneficiam as muito grandes empresas que têm níveis de concentração da riqueza e de acumulação da riqueza no nosso país muito elevadas”. Explica que 0,75% do total das empresas é responsável por mais de metade da receita de IRC e que, portanto, “qualquer redução deste imposto vai reverter a seu favor”.
Pequenas e médias empresas insatisfeitas
Também a associação que representa as micro, pequenas e médias empresas, que compõem a maioria do tecido económico do país, contesta o OE para 2025. Desde o têxtil ao calçado, da metalomecânica, à construção, restauração e comércio, são elas o motor da atividade económica e os principais contribuintes para os orçamentos anuais. Jorge Pisco, presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), considera que o “tecido empresarial português necessita sobretudo da alteração profunda das políticas económicas, fiscais e de crédito”. Nesse sentido, contesta o OE para 2025 denunciando que quem tem sido beneficiado “é uma minoria de grandes empresas em desfavor da esmagadora maioria de micro e pequenas empresas, que são, afinal, as que criam a maior parte dos postos de trabalho e da riqueza nacional”. Para este empresário, as políticas fiscais, de crédito e de atribuição dos apoios comunitários “têm discriminado pela negativa as micro, pequenas e médias empresas, impedindo a sua modernização e o aumento da sua competitividade com as congéneres da União Europeia”.
De acordo com Jorge Pisco, o documento aprovado “nada trouxe de relevante para as MPME” e considera que medidas com vista à redução dos custos fixos e de contexto destas empresas e ao consequente reforço da sua autonomia financeira “não constam do OE”.
Nesse sentido, recorda que o governo fez “tábua rasa” das propostas apresentadas pela CPPME que incluíam a extinção imediata do agravamento das Tributações Autónomas nos casos ainda previstos por lei e aplicar a taxa reduzida de IRC de 12,5% para a generalidade das MPE, aumentando o limite de 50 mil para 100 mil euros para as sediadas no interior. Pediam também a redução dos custos fixos e de contexto, nomeadamente da energia, comunicações, seguros, água, resíduos urbanos, portagens e outros, aproximando-os da média europeia, assim como a aplicação no setor restauração do IVA intermédio às bebidas e a reversão do mesmo imposto no gás natural, butano e propano e eletricidade para a taxa reduzida de 2011.
Governo acusado de beneficiar privados
Sebastião Santana, coordenador da Frente Comum, considera que o documento aprovado vai piorar a situação dos trabalhadores e dos serviços públicos e afirma que vai beneficiar os grandes grupos económicos. O objetivo é, entende, “esvaziar recursos financeiros da administração pública”. Exemplifica com o caso das atualizações salariais e das progressões no próximo ano. “Não chega a 598 milhões de euros mas este mesmo orçamento prevê em benefícios fiscais, diretos e indiretos, para grandes empresas, uma rubrica que se chama ‘aquisição de serviço externo’ e onde foram metidos mais de 1800 milhões de euros. “Isto é dinheiro que o Estado retira aos serviços públicos para pagar a entidades externas os serviços que desistiu de fazer”.
Em relação à política salarial também tem duras críticas. “O orçamento todo, tendo em conta os aumentos salariais previstos, deixa muitos trabalhadores a continuar a perder poder de compra. Com a política de baixos salários que se mantém também na base remuneratória que vai passar para os 878 euros brutos, portanto, isto líquidos dá 700 e tal euros, não chega para as pessoas fazerem face às suas despesas”. Para Sebastião Santana, este é também um sinal para o setor privado de que “a política de baixos salários é mesmo para manter, ao mesmo tempo que faz isso desvia dinheiro de serviços públicos para alimentar a gula dos privados”.
Em causa ficam também os serviços públicos, afirma o coordenador da Frente Comum. “O objetivo deste governo é degradar serviços públicos para depois justificar a sua privatização, coisa que aliás deixou bem clara no programa de governo”, considera. “O programa de governo diz que em áreas como a saúde, a educação e a própria segurança social o caminho é abrir porta a privados das mais diversas formas”, recorda, sublinhando que no caso da segurança social, dizia que “havia que pô-la a competir com o setor privado e mutualista”. Em consequência, este orçamento, na sua ótica, “vai ser um instrumento para pôr em prática essas políticas”.
Sobre o sentido de voto dos diferentes partidos, Sebastião Santana é direto: “pena é que haja tanta gente que diz que é contra o orçamento, nomeadamente, o Partido Socialista, que dizia ser contra estas políticas e depois o aprovou. Mas em relação a isto a história há-de julgá-lo. Um dia”.