Em abril deste ano, apesar de informada com antecedência, a administração do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, proibiu a entrada de um dirigente sindical nas instalações e impediu a realização de uma reunião de trabalhadores da cantina, pertencentes à concessionária do serviço privado de refeições Itau. Nesse mesmo dia, os trabalhadores reuniram-se à porta do hospital, à chuva. Segundo Fernando Figueiredo, coordenador do Sindicato de Hotelaria do Norte, este não é caso único e já foi denunciado às entidades competentes. A decisão é considerada ilegal pela estrutura sindical que defende, ainda, que estes trabalhadores não são funcionários do hospital e que até terão um espaço próprio para reunir. A própria Itau não terá posto qualquer objeção à reunião.
De acordo com este coordenador sindical, esta “nova administração” tem proibido a atividade do sindicato dentro do hospital. “A administração alegou não ter tido tempo para autorizar a reunião, mas o direito de reunião fundamental está na Constituição da República Portuguesa e não está sujeito a autorização. Isto é, ao sindicato compete apontar o dia, a hora e uma proposta de local. A empresa pode alterar o local mas tem de ser um local adequado. Nunca poderá a empresa proibir o sindicato de entrar para uma reunião”, explica.
Mas este caso não é uma exceção dentro deste setor. O Sindicato de Hotelaria do Norte denuncia a mesma situação no Hospital de Chaves e sustenta que “para os delegados sindicais circularem dentro de uma empresa apenas têm de se identificar à porta e nada mais”. Antes, a administração permitia a entrada dos sindicalistas para levar informação à cantina mas agora impede essa atividade. “Os delegados sindicais têm direito a circular nas instalações, a afixar propaganda nos locais adequados e a distribuir aos associados. Isto são administrações anti-sindicais e quando uma empresa impede, dificulta ou se intromete na atividade sindical nos termos da lei configura a prática de um crime”, explica.
De facto, segundo Patrícia Cachapa, advogada com prática em direito laboral, é uma decisão ilegal que fere o Código do Trabalho e a Constituição da República Portuguesa. No primeiro caso, o artigo 460.º refere que “o empregador que impeça injustificadamente o exercício do direito previsto nos números anteriores [direito a desenvolver actividade sindical na empresa, nomeadamente através de delegados sindicais, comissões sindicais e comissões intersindicais] incorre na prática de uma contraordenação muito grave” e, no segundo, o artigo 55.º da Constituição que consagra também a garantia aos trabalhadores do direito de exercício de atividade sindical na empresa.
Apesar da ilegalidade, os casos sucedem-se e Fernando Figueiredo recorda o caso do Hotel Yetman, estabelecimento de cinco estrelas em Vila Nova de Gaia. Em agosto de 2022, a PSP foi chamada para expulsar os sindicalistas da porta do hotel enquanto o sindicato realizava uma ação de protesto e de sensibilização dos clientes para a situação social que vivia o setor, com distribuição de comunicados à porta em inglês e português. Para além do Yetman, esta iniciativa decorreu também junto dos grupos Accor, Holiday Inn, Vila Galé, Bessa Porto e Grande Hotel do Porto.
Segundo o Sindicato de Hotelaria do Norte, o Hotel Yeatman, “não pagava o trabalho prestado aos feriados em 200% aos trabalhadores, como está obrigado por força do Contrato Coletivo de Trabalho em vigor, e solicitou aos dirigentes sindicais que saíssem da porta do hotel alegando ser espaço privado”. Os representantes dos trabalhadores invocaram o direito à atividade sindical na empresa, nos termos da lei, e o estabelecimento hoteleiro acabou por chamar a PSP, que terá tentado “intimidar” os sindicalistas identificando-os.
Sindicalismo na clandestinidade
Mas a situação repete-se também em muitas outras empresas e locais de trabalho de outros setores. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, o Hospital de Cascais é um desses casos. “A atividade sindical foi condicionada a partir do momento em que este hospital passou a ser uma Parceria Público-Privada”, denuncia Ana Amaral. Segundo esta dirigente sindical, foi a partir desse momento que começou a haver “constrangimentos” à atividade do sindicato.
“Os constrangimentos são sentidos na medida em que para conseguirmos fazer atividade sindical temos que criar uma estratégia que exige mais quadros sindicais. Por exemplo no Hospital de Cascais, não podemos circular livremente para esclarecer ou mobilizar os trabalhadores. A única forma em que nos permitem a entrada é cedendo-nos uma sala completamente isolada e onde não conseguimos contactar com ninguém”, descreve.
Uma das técnicas usadas pelo sindicato para contornar os obstáculos é deixar um delegado ou dirigente sindical na sala enquanto os outros andam de “forma clandestina” a falar com os trabalhadores, até ao momento em que algum chefe de serviço faça uma denúncia ou apareça um segurança para impedir este contacto com os funcionários.
Para Ana Amaral, houve várias tentativas de resolver a situação junto da administração exigindo uma mudança de atitude perante os sindicatos. Nunca foi possível “por má vontade”, alega. “A solução apresentada por eles passava por andarmos acompanhados por um segurança ou mesmo por um elemento dos Recursos Humanos. O que sempre recusamos”, descreve.
Segundo esta sindicalista, o objetivo da direção é “impedir o esclarecimento e a organização dos trabalhadores, num local de trabalho onde existe um elevado número de trabalhadores com vínculos precários, baixos salários e desregulação de horários de trabalho”. Ainda assim, considera que não é uma situação comum na área da saúde, embora seja um fenómeno regular em hospitais com parcerias público-privadas, dando o exemplo do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, que passou a permitir a atividade sindical quando passou a entidade pública.
Ataques ao sindicalismo no comércio
A Accenture é a maior empresa de consultoria do mundo e é uma das muitas que, em Portugal, procura condicionar o trabalho sindical. Segundo a coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), o caso é “escabroso”. Filipa Costa, presidente do sindicato, considera que fazem a sua própria interpretação da lei e que só reconhecem os delegados sindicais, porque esses é que seriam os representantes na empresa. Chegou ao ponto, explica, de haver uma delegada sindical que foi eleita dirigente do sindicato e deixou de ser reconhecida pela empresa. “As reuniões são feitas unicamente com os delegados porque não reconhecem os dirigentes e só podem entrar delegados na empresa”, descreve.
Mas é, sobretudo, no comércio que se dão mais casos de limitações à atividade sindical. Um dos exemplos mais comuns tem a ver com plenários e reuniões de trabalhadores. De acordo com Filipa Costa, a lei prevê que quem trabalha possa parar para participar nestes momentos da atividade sindical tendo de garantir serviços mínimos quando se trata de questões de urgência. “No setor do comércio, isso não existe. Não estás a pôr em risco a vida de ninguém se a loja parar uma hora para haver um plenário mas boa parte das empresas não aceita isso dessa forma”, afirma.
Um desses casos, segundo o CESP, aconteceu na Primark quando a empresa “tentou limitar o exercício de reunião dos trabalhadores alegando que a loja não podia encerrar porque punha em causa a abertura da loja e as vendas”.
Com o 1.º de Maio à porta, há um pré-aviso de greve em todo o setor, e há já uma denúncia de um trabalhador de um supermercado Minipreço, da empresa Dia Portugal, alegando que a chefia quer meter outro colega no seu turno de abertura da loja para evitar que ela encerre no Dia Internacional do Trabalhador. “Substituir trabalhadores que vão estar em greve por outros para assegurar a abertura das lojas? Isso é quase mato neste setor”, garante Filipa Costa.
Segundo esta coordenadora sindical, a tendência é para agravar porque “à medida que as situações sociais são mais difíceis, há mais dificuldades, o aumento brutal do custo de vida, e com as dificuldades que os trabalhadores sentem, há cada vez maior repressão nos locais de trabalho”. Para Filipa Costa, as empresas aproveitam-se da necessidade de quem precisa de trabalhar para viver. Com a degradação das condições de vida, há aquilo a que chama um “atropelamento dos direitos dos trabalhadores”. Esta sindicalista explica que um trabalhador informado sobre os seus direitos e sobre o papel que tem na luta para melhorar as suas condições de trabalho “é algo que as empresas não querem”.
Na opinião destas mulheres e homens que trabalham e fazem da intervenção sindical uma ferramenta de luta por mais direitos, os patrões querem trabalhadores calados e submissos, que não saibam muito para além daquilo que é a sua função no local de trabalho. De acordo com Filipa Costa, a partir do momento em que há representantes dos trabalhadores dentro das empresas “as coisas são diferentes, há uma maior reivindicação, exigências, há uma atitude diferente por parte dos trabalhadores e as empresas não gostam e tentam silenciá-los”.