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Inclusão digital. Operadores privados de telecomunicações impedem direito universal

Portugal tem o acesso mais caro à internet depois do Chipre. É um direito humano reconhecido pela ONU mas longe de cumprir num país em que os operadores de telecomunicações já foram acusados pela Autoridade de Concorrência de formarem cartel para combinar preços, publicidade e distribuição territorial. O governo lançou a tarifa social da internet mas a própria DECO já considerou que a medida é insuficiente e que pode revelar-se ineficaz.

A internet assume uma importância sem precedentes. Podemos comunicar entre nós e aceder a um conjunto de informações e serviços de todos os tipos. Para além da generalização do teletrabalho durante a pandemia, podemos encontrar um enorme acervo cultural, serviços públicos e até fazer compras online.

Em 2011, a ONU declarou o acesso à internet como direito humano e, desde então, defende que o acesso à informação abre portas a oportunidades e facilidades, sobretudo no desenvolvimento social, como a educação acessível e inclusiva, contribuindo para esbater desigualdades. Contudo, os apelos à democratização do acesso às tecnologias da informação não têm sido concretizados e a inclusão digital continua a não chegar a todos.

Segundo a União Internacional de Telecomunicações, o índice de acesso digital em Portugal está longe de ser o melhor, atrás de todos os países do sul da Europa e muito abaixo dos países do centro e norte do continente. Mais de 20% da população vive em situação de exclusão digital.

Em 2020, a pretexto da crise pandémica, num artigo para a Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Manuel Gomes, da University College London, no Reino Unido, apontava como razões, para além da falta de competências tecnológicas e da falta de conhecimentos digitais, a falta de acesso à internet como reflexo das desigualdades socioeconómicas.

De facto, o Digital Economy and Society Index 2021 publicado pela União Europeia em novembro revela que os preços da banda larga em Portugal são os segundos mais elevados a seguir ao Chipre. Segundo uma nota da Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom), este estudo insere os preços das comunicações em Portugal na categoria de “dispendioso” ou “relativamente dispendioso” em 12 dos 13 perfis de utilização de banda larga fixa; em 11 dos 12 perfis de utilização de banda larga móvel e em todos os 9 perfis de utilização convergentes.

Já em agosto desse mesmo ano, a Anacom denunciara que os operadores de telecomunicações tinham feito 31 subidas de preços em apenas um ano. Também nesse sentido, em novembro de 2021, o presidente da Anacom, João Cadete de Matos, referia que os preços das telecomunicações em Portugal “são dos mais elevados da União Europeia” e defendia que não se justificavam preços tão altos nos pacotes apresentados pelas empresas do setor.

A esse propósito, a própria Anacom revelou na sua página em dezembro, que “os elevados preços das telecomunicações e o nível da penetração e de utilização da banda larga móvel em Portugal, quando comparados com a média europeia, poderão dificultar a transição digital no país, segundo a OCDE”. De acordo com esta organização, os preços das comunicações eletrónicas são elevados em Portugal e o número de assinantes de banda larga móvel por 100 habitantes, bem como o tráfego de dados móveis por utilizador, “são cerca de 30% mais baixos do que a média da OCDE”.

Estes números, divulgados no relatório “OECD Economic Surveys: Portugal 2021”, podem explicar, em parte, a “baixa penetração de serviços móveis” e o “grande desfasamento da penetração de internet por nível de rendimento das famílias”. Segundo o documento, “apenas cerca de metade das famílias mais pobres dispunham de internet em casa em 2019”. 

Contudo, apesar de os preços das telecomunicações terem disparado com a liberalização do setor, a OCDE considera que se deve antes ao facto de a concorrência ser “relativamente baixa” e que o mercado está concentrado em três operadores que dispõem de “quotas significativas” e margens de lucro “elevadas quando comparadas com outros países europeus”. Entre o final de 2009 e novembro de 2021, os preços das telecomunicações em Portugal aumentaram 7,0%, enquanto na UE diminuíram 9,7%. Ainda sobre os tarifários, a organização intergovernamental pede que “as causas dos elevados níveis de preços” sejam “investigadas”.

Tudo bons rapazes

Em julho de 2020, a Autoridade da Concorrência (AdC) acusou a MEO, NOS, NOWO e Vodafone de terem celebrado um cartel para limitar a concorrência em publicidade no motor de busca Google, prejudicando os consumidores. Os utilizadores que fizessem pesquisas nessa página sobre serviços de telecomunicações contendo o nome de um dos operadores, nos resultados de maior visibilidade nesse motor de busca, não encontravam as propostas para o mesmo serviço dos restantes operadores concorrentes, o que dificultava a comparação das ofertas. Isto acontecia há pelo menos uma década. Segundo a Lusa, este era apenas o segundo processo aberto por cartel nas telecomunicações. 

Em dezembro de 2019, a AdC já tinha acusado a MEO e a NOWO de terem constituído um cartel de repartição de mercado e fixação dos preços dos serviços de comunicações móveis, vendidos isoladamente ou em conjunto com serviços de comunicações fixas. A Meo foi alvo de uma coima de 84 milhões de euros. Segundo a AdC, as duas empresas assinaram um acordo anticoncorrencial “através do qual a Nowo (antiga Cabovisão) se comprometeu a não lançar serviços móveis fora das áreas geográficas onde disponibilizava serviços fixos, não concorrendo assim, com a MEO nas zonas de Lisboa e do Porto”. A Nowo acordou ainda com a Meo “não disponibilizar ofertas móveis a 5 euros ou menos (ou com preços mais baixos face aos preços de ofertas similares no mercado)”, bem como não “implementar aumentos de preços e reduzir a qualidade nas ofertas em pacote de serviços fixos e móveis”. Em contrapartida, a Meo “comprometeu-se, no essencial, a melhorar as condições contratuais do contrato MVNO celebrado com a Nowo sobretudo no que diz respeito aos preços praticados entre ambas, no contexto da utilização de infraestruturas, e a resolver problemas operacionais no âmbito da execução desse contrato”, detalhou o regulador da Concorrência. Em resposta, a Altice, dona da MEO, não só contestou a multa juridicamente como afirmou que se tratava de uma “postura irresponsável das entidades reguladoras” que deixava “evidente como é encarado o esforço e investimento privados no país, pelo que não nos resta outra opção que não a de retirar as devidas ilações”.

Mas, em dezembro de 2021, a AdC voltou a acusar as operadoras de telecomunicações. Desta vez, MEO, NOS, Vodafone e Accenture foram acusadas de limitarem a concorrência ao combinarem inserção de publicidade para aceder às gravações automáticas. Estas operadoras, com o apoio tecnológico e operacional da Accenture, acordaram entre si “a inserção de 30 segundos de publicidade como condição de acesso dos respetivos clientes às gravações automáticas dos diferentes canais de televisão”. Segundo a AdC, isto fez com que os clientes ficassem “sem incentivo à mudança de operador, apesar de insatisfeitos com as alterações introduzidas no serviço de televisão por subscrição.”

Monopólio das estações emissoras

Atualmente, o grupo catalão Cellnex detém, em Portugal, as mais de 5 mil torres de telecomunicações localizadas em áreas urbanas, suburbanas e rurais de todo o país. Esta empresa comprou o operador português de torres de telecomunicações OMTEL por 800 milhões de euros, em que 200 milhões corresponderam à compra de 25% da participação da MEO na empresa que resultou da venda das torres da antiga PT. A Cellnex comprou os restantes 75% que pertenciam à Morgan Stanley Infrastructure Partners e à Horizon Equity Partnee, empresa criada em 2017 e que tinha como administradores Sérgio Monteiro e António Pires de Lima, respetivamente ex-secretário de Estado das Obras Públicas e ex-ministro da Economia no governo liderado por Passos Coelho. Tanto um como outro tinham a pasta das telecomunicações.

DECO critica Tarifa Social da Internet

A 1 de janeiro, entrou em vigor a tarifa social de internet, calculada em função dos baixos rendimentos das famílias. Entre as muitas ofertas, encontra-se o correio eletrónico, acesso a motores de pesquisa, ferramentas de formação e educativas, compra de bens, serviços bancários online e utilização das redes sociais e vídeochamadas.

Contudo, a DECO critica a medida. Segundo a associação de defesa dos consumidores, a não ser que se fique com acesso apenas à Televisão Digital Terrestre (TDT), ou a opções via satélite com poucos canais, a adesão à tarifa social da internet complementada com um serviço de televisão é mais cara que uma subscrição dos pacotes TV, net e voz mais baratos. 

A elevada percentagem de subscritores de serviços de televisão paga em Portugal é de 94% segundo a Anacom e para a DECO este pode ser um sinal de que o acesso único à televisão através da TDT pode vir a “esvaziar de utilidade a tarifa social de internet para quem quer ter ou manter a televisão por subscrição”, uma tarifa limitada a um pacote de 15 GB de tráfego e 12 Mbps de velocidade.

Mas a DECO acusa ainda o governo de fazer baixar a proposta final da Anacom de 30 para 15 GB. Até a 10 de setembro, a Autoridade Nacional das Comunicações previa uma velocidade de 10 Mbps de download e 1 Mbps de upload, com um limite de tráfego de 12 GB, independentemente de a ligação ser fixa ou móvel. Em resposta à DECO, em discussão pública, a Anacom aceitou subir para 30 Mbps de download e 3 Mbps de upload, e o limite de tráfego para 30 GB. Apesar de um dos objetivos de conetividade da UE até 2025 ser de acesso a ligações com uma velocidade de, pelo menos, 100 Mbps, o governo decidiu baixar a proposta para 15 GB e uma velocidade de 12 Mbps de download e 2 Mbps de upload.

Com uma oferta tão básica, com acesso apenas à TDT, há quem tenha receio de que a tarifa social da internet acabe como o Serviço Universal de Comunicações Eletrónicas, que custou 9,8 milhões de euros em cinco anos e não ultrapassou os dois utentes em todo o país.

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