De que forma é que os trabalhadores e os sindicatos vão ser afetados se este pacote laboral for aprovado?
Acho que temos um desafio muito grande pela frente. A CGTP-IN já assumiu isso internamente. A obrigação e o maior desafio com que nos deparamos é levar aos trabalhadores o conteúdo do pacote laboral para que percebam de facto a verdadeira dimensão do ataque. Acho que a manifestação do passado dia 20 demonstrou o grande trabalho que está a ser feito e o que está a ser construído. Milhares de trabalhadores vieram para a rua denunciar o que são os problemas que sentem no seu dia a dia fruto da legislação em vigor e foi a resposta necessária para aquilo que é, do ponto de vista da CGTP-IN, o papel fundamental que nós tínhamos neste momento: levar esta discussão aos trabalhadores.
Este governo decidiu apresentar um anteprojeto que tem mais de 100 artigos, todos eles assentes em cinco pontos basilares: o aumento e a normalização da precarização das relações de trabalho; a desregulação dos horários de trabalho; o ataque à contratação coletiva; o ataque ao direito à greve e a facilitação dos despedimentos.
Estamos a falar do maior ataque aos direitos trabalhadores desde a revolução? Podemos considerá-lo desta forma?
Não fazemos essa análise dessa forma porque até poderíamos estar a correr o risco de escamotear grandes atropelos que aconteceram principalmente no início da década de 90, durante o governo de Cavaco Silva. A análise concreta que fazemos é de que é, de facto, um dos maiores ataques contra os trabalhadores, pelo conteúdo, pelo objetivo, pelo alcance e por uma questão central: como é que coloca os trabalhadores para o futuro? Nós assistimos diariamente e, ainda agora, na reunião da Concertação Social, na discussão do Orçamento do Estado, que cada governo, em cada período legislativo, tenta tocar na questão central que é a questão do trabalho, e sempre na mesma retórica de recuar nos direitos dos trabalhadores. E isso não podemos aceitar.
Trabalho XXI é como o governo batizou o pacote laboral e, de acordo com a retórica do executivo, a ideia é modernizar as leis do trabalho, alegando que vivemos num país com legislação ultrapassada.
Já tivemos vários pacotes laborais. Recordo o grande ataque aos direitos dos trabalhadores com a introdução do Código do Trabalho, em 2003. A partir daí, houve um conjunto de revisões e a retórica era igual à de hoje. Diziam que iam servir para aumentar a produtividade, para responder às necessidades da economia e das empresas, para pôr o país a crescer. O que houve foi a deterioração das condições de trabalho e, de alteração em alteração, o que constatamos é que se coloca sempre em primeiro lugar os interesses do capital, dos grandes grupos económicos e financeiros, das grandes empresas, em detrimento daqueles que são – e acho que nós temos que ter a percepção disto – a maioria do nosso povo, que são os que hoje estão no mundo de trabalho, são os que tiveram uma vida inteira dedicada ao trabalho e que hoje são tão penalizados nas suas reformas e nas suas pensões. Como é que é possível ter pessoas que trabalharam uma vida inteira e chegam a uma situação de reforma em que deviam ter a possibilidade de descansar, de ter uma vida feliz, e depois assistimos a um milhão de reformados que têm uma reforma de 510 euros por mês? Como é que nós conseguimos dizer a um jovem que amanhã vai entrar para o mundo do trabalho que aquilo com que se vai deparar é com condições de trabalho e uma perspetiva de vida pior do que aqueles que já hoje estão no mundo do trabalho? Tem de haver uma inversão completa na política que é seguida que responda aos interesses da maioria, e os interesses da maioria são, de facto, estes, quem trabalhou uma vida inteira.
Esteve esta manhã numa reunião da Concertação Social. Há alguma margem para negociar?
A reunião foi sobre o Orçamento do Estado, mas já houve duas reuniões sobre legislação laboral e está marcada uma terceira. A questão central, volto a referir, não é se o governo vai ceder nesta ou noutra questão nas próximas reuniões. Colocaram-se muito no espaço imediato, logo a seguir à apresentação do anteprojeto, questões centrais que tinham a ver com a parentalidade, questões importantes que nos devem preocupar, mas não podemos encontrar uma solução para estas duas ou três medidas e depois esquecer as restantes 97.
A ministra da tutela veio dizer à comunicação social que a CGTP-IN foi muito rápida a apresentar uma posição negativa relativamente ao anteprojeto, porque recebemos o documento às 15 horas e meia hora depois já estávamos a contestar o pacote laboral apresentado. O que era importante era que a ministra tivesse em conta que num espaço de tempo ainda mais curto já estavam os patrões todos a dizer que estavam de acordo com o pacote laboral e que ele era uma base muito positiva para a discussão. Portanto, isto depende sempre da perspetiva de quem vê e dos objetivos de quem conduz este processo negocial e para quem o está a conduzir. Obviamente, é o governo e será sempre o governo que irá assumir as consequências do que está a fazer. Do ponto de vista da CGTP-IN, o apelo é para que o governo retire de cima da mesa o pacote laboral porque não há nada nele que os trabalhadores possam ver como uma alavanca para a melhoria das sua condições de vida.
E de que forma é que os trabalhadores podem derrotar esta proposta?
O passado demonstra que perante todos os ataques, perante todas as tentativas de fazer recuar direitos, perante todas as maldades que foram cometidas ao longo de anos, fruto das políticas de direita, os trabalhadores em todos os momentos souberam dar resposta; o passado demonstra, o presente exige e o futuro irá confirmar que este é o caminho, de trazer os trabalhadores para a luta, para o confronto direto em cada empresa e em cada local de trabalho, porque é aí que se dá o verdadeiro confronto com os que se apoderam da legislação para a fazer aplicar em cada empresa e em cada local de trabalho, promovendo o retrocesso nos direitos de quem trabalha. Temos de passar esta mensagem: tudo o que acontece na nossa vida é político: se nós queremos marcar uma consulta com um médico e demora meses a ser marcada; se queremos uma cirurgia e demora anos a ser marcada; se constatamos que as urgências hospitalares estão encerradas e os centros de saúde estão a encerrar; que há falta de professores; que a legislação do trabalho é cada vez mais negativa; que o salário não chega; então temos de perceber que tudo isto é fruto de opções políticas que são seguidas, e, portanto, há que dar-lhes combate.
A CGTP-IN põe de parte alguma forma de luta?
Nenhuma. O que a CGTP-IN afirma desde o primeiro momento é que a resposta dos trabalhadores será na mesma proporção do ataque que lhes for colocado. Dia 20 foi um primeiro momento de luta, um primeiro momento de afirmação, um primeiro passo para dar sinal a este governo de que os trabalhadores não irão recuar. Nenhum passo atrás. Daremos combate a este pacote laboral. Portanto, neste momento nenhuma forma de luta está fora de questão, pelo contrário, está tudo a ser equacionado.
Em relação ao Orçamento do Estado, como é que vêem o desvio de uma parte das verbas para a indústria da guerra?
Foi uma das coisas que foi colocada nesta reunião de Concertação Social sobre o Orçamento do Estado. Se olharmos para a degradação constante dos serviços públicos, mais uma vez digo, não podemos dizer que o que está a acontecer não é fruto da política que tem sido seguida, é fruto da política de desinvestimento, de desinvestimento completo nos serviços públicos. E se fizermos essa ligação com o que está em cima da mesa, que é que Portugal desvie para a indústria do armamento, comparativamente a 2024, mais 2 mil milhões de euros, quer isto dizer que são opções políticas. Isto é uma decisão da União Europeia no sentido de conduzir o povo para a guerra, para o confronto. São mais de 2 mil milhões de euros que fazem falta ao nosso país para investir no Serviço Nacional de Saúde, para investir na escola pública, para garantir a sustentabilidade da Segurança Social, para responder às necessidades de todos nós em equipamentos e valências, em valorizar os profissionais da administração pública, em valorizar as carreiras, em valorizar os salários, em valorizar aqueles que são o motor da nossa sociedade.
Ainda dentro deste quadro europeu, é possível falar de rutura com este modelo neoliberal sem falarmos de recuperar a nossa soberania nacional?
Estávamos hoje a analisar os dados do investimento público em Portugal e este corresponde a 80% de financiamento da União Europeia, financiamento feito através de imposições sobre o caminho que devemos seguir. Fala-se muito do PRR, fala-se muito de todos os apoios que vêm de fora para alavancar a economia do país, mas ninguém fala daquilo que o país abdicou e perdeu. A questão fundamental é que temos de deixar de produzir ou ter uma economia assente em produtos de baixo valor. A questão fundamental é que nunca vamos competir com uma Alemanha onde compramos submarinos ou com uma França onde compramos aviões ou Espanha onde compramos os comboios depois de destruirmos a nossa capacidade de produzir comboios. Mandamos fazer os navios para a marinha na Turquia quando tínhamos os maiores e os mais capacitados estaleiros navais. E, portanto, abdicou-se da nossa soberania para que outros possam crescer à custa do definhamento de países como Portugal.
Neste contexto, a extrema-direita procura dividir os trabalhadores acusando os trabalhadores imigrantes de serem responsáveis pelos problemas dos trabalhadores portugueses.
Continua a colocar-se o trabalhador apenas como uma peça de uma ferramenta ao serviço do capital. Quanto mais barato, melhor. Fruto desta ação do capital, o que nós vemos é uma deterioração ainda maior nas condições de vida. E a extrema-direita tem usado isto de forma assustadora, que é culpabilizar aqueles que vêm para Portugal, tal como nós vamos para outros países, à procura de uma vida melhor, de mais estabilidade, de um futuro diferente do que hoje nos é apresentado. Coloca-se nesses trabalhadores que vêm para cá, à procura desse futuro e dessa perspectiva diferente, neste momento, a culpa de tudo. Coloca-se o trabalhador [imigrante] como culpado dos baixos salários porque dizem que como recebe pouco, baixa os salários dos trabalhadores portugueses.
Como se fossem eles que determinassem o seu próprio salário.
Ou como se não fosse um patrão português que pudesse explorar o trabalhador imigrante e, fruto da exploração do trabalhador imigrante, continua a explorar o trabalhador português. Portanto, isto é uma questão central. Colocam na culpa dos imigrantes o preço da habitação com argumentos estapafúrdios, como o preço da habitação estar a crescer porque conseguem morar sete pessoas num apartamento, como se fosse algo digno, como se fosse uma opção de vida que pudesse ser colocada.
Culpabiliza-se sempre aqueles que menos têm, como na questão dos rendimentos mínimos, que é um número ínfimo [de beneficiários], mas nunca se culpam os rendimentos máximos, aqueles que exploram e que ganham milhões à custa dos salários de tostões. O pior que podíamos fazer era culpar um trabalhador que todos os dias veste a mesma farda de trabalho que nós, pela deterioração das condições de vida de todos, e não culpar aquele que ,aproveitando-se dele, consegue fazer retroceder tudo aquilo que são direitos na vida de todos nós.
Celebrou-se este verão o 50.º aniversário do primeiro congresso da Intersindical. Qual é a avaliação que faz deste meio século?
Se há algo que me deixa muito feliz, e repito isso muitas vezes, é que qualquer dirigente da CGTP-IN pode entrar nos locais de trabalho de cabeça erguida. A CGTP-IN cumpre agora 55 anos e, em momento algum, capitulámos, deixámos ficar mal trabalhadores ou demos um passo atrás no sentido de valorizar a vida de quem trabalha. São 55 anos de combate, de firmeza, de uma central sindical que foi formada e construída pelos trabalhadores. Não abdicou das suas raízes, não deixou cair o seu projeto e em momento algum alterou o seu projeto. E se somos hoje a maior organização social do país, com 560 mil associados, se somos hoje uma organização respeitada, é fruto de todo este percurso que temos tido, sempre ao lado dos trabalhadores.
