Quando e por que decidiram aderir à Juventude Comunista?
Entrámos para o Partido Comunista da Ucrânia com 17 anos, em 1997. Nessa altura, os nossos pais não receberam salário durante seis meses, devido à crise dos anos noventa. E nós, enquanto crianças, perguntávamo-nos porque é que, há poucos anos, a União Soviética controlava quase todo o mundo e agora não tínhamos nada para comer. Os meus camaradas e eu decidimos procurar os comunistas e perguntar porque é que isto acontecia. Acabámos por entrar no Partido Comunista da Ucrânia. Não temos comunistas na família. Tornámo-nos comunistas a pedido do nosso coração. Nós e os nossos camaradas temos um elevado sentido de justiça, e é por isso que somos comunistas. O meu irmão e eu viemos para a União da Juventude Comunista Leninista da Ucrânia depois de termos aderido ao Partido Comunista da Ucrânia. Basicamente, é ao contrário: primeiro o Komsomol, depois o partido, mas para nós foi assim: primeiro o partido, depois o Komsomol.
Como é que viveram o golpe de Estado contra Viktor Yanukovych há dez anos?
Antes do golpe de Estado de 2014, éramos funcionários na universidade e estávamos a tirar uma licenciatura em filosofia social; as nossas vidas seguiam normalmente. Após o golpe de Estado, a nossa vida mudou. O Partido Comunista começou a ser proibido pelos agentes do SBU [serviços de segurança e inteligência] e os nazis controlados por eles começaram a perseguir-nos e a bater-nos. Isto aconteceu durante todos estes anos. Fomos chamados ao SBU e disseram-nos para darmos uma conferência de imprensa em que publicamente renunciariamos aos nossos ideais e onde devíamos caluniar o Partido Comunista e os nossos camaradas. Assim, continuaríamos a estudar e a trabalhar na Universidade Nacional de Volyn, e eles arranjar-nos-iam boas posições junto do poder. O regime que chegou ao poder queria mostrar que era pró-europeu e democrático, e mesmo os antigos comunistas, de etnia bielorrussa, vivem muito bem neste novo país, com a condição de traírem tudo o que lhes é querido e de traírem os seus camaradas de luta. Não fomos capazes de o fazer e perdemos tudo; fomos expulsos do trabalho e da escola de pós-graduação com a menção de despedimento por “baixo carácter moral”. Começaram a perseguir-nos e a bater-nos só por sermos comunistas e antifascistas.
Depois do golpe de Estado, quando começou a perseguição aos comunistas e aos antifascistas, muitos comunistas e deputados do povo traíram o partido e fugiram. Alguns começaram a servir o regime nazi para salvar a pele. Nós, que permanecemos fiéis ao partido, ficámos de alguma forma felizes. Os oportunistas foram-se embora, o partido ficou limpo.
Passámos para formas de trabalho ilegais, como os nossos camaradas durante a Grande Revolução Socialista de Outubro, como os nossos antecessores da União de Todo o Partido Comunista da União (Bolcheviques), como o camarada Lénine. Foi estúpido da parte do regime proibir o Partido Comunista, uma vez que temos experiência de luta clandestina por mais de 100 anos. Estamos prontos para esta luta e sabemos como fazê-la.
Em março de 2022 foram detidos. Porquê?
Fomos detidos em março de 2022 unicamente por sermos comunistas e antifascistas. Acusaram-nos de mostrar às forças russas a localização de um aeródromo na cidade de Lutsk, na região de Volyn, ajudando-as a atacar essa infraestrutura com mísseis. Depois, fomos acusados de ser agentes do FSB [serviços secretos russos] e do KGB bielorrusso. Essas acusações acabaram por desaparecer do nosso processo penal e foi-nos atribuída a autoria de uma tentativa de assalto armado à Verkhovna Rada [parlamento ucraniano]. Alegadamente, teríamos feito tudo isto no dia 29 de fevereiro de 2022, embora nesse ano fevereiro só tivesse tido 28 dias. Entretanto, perceberam que a ideia de um assalto à Verkhovna Rada era excessiva e acusaram-nos de tentar assaltar a administração distrital de Dnieper, em Kiev. No nosso caso, não há testemunhas, não há nenhuma gravação em vídeo da nossa alegada agressão, não há nada. Durante dois meses, nem sequer nos foi dado um advogado, o que é simplesmente inaceitável. Fomos mantidos na prisão durante dois meses, mesmo sem uma decisão do tribunal.
E em que circunstâncias se deu a detenção?
O regime queria matar-nos. Fomos presos por gente com balaclavas, dispararam, espancaram-nos e arrastaram-nos para fora sem sapatos e apenas com roupa de casa. Estão mortos, disseram. Partiram-nos o nariz, arrancaram-nos dentes, fraturaram-nos oito costelas, fomos torturados e quase mortos durante quatro dias nas caves do SBU. Disseram-me [Mikhail] que a minha filha de treze anos seria violada diante dos meus olhos, afirmei-o em tribunal, à frente de toda a gente. Oficialmente, queriam que eu caluniasse e traísse os meus camaradas de partido, mas nós nunca o faríamos. Antes a morte do que a desonra! Só nos levaram a tribunal e nos puseram num centro de detenção preventiva porque houve um escândalo internacional. A esquerda europeia e mundial defendeu-nos e o regime ficou assustado e só por isso não nos matou.
Quando eu estava na prisão, o SBU e o regime organizaram uma tentativa de assassinato e um ataque à minha família, à minha mulher e à minha filha de treze anos, arrombaram as portas com um machado e gritaram que as iam matar. Só uma hora mais tarde é que a polícia chegou e não deteve ninguém, uma vez que os atacantes se apresentaram como polícias no ativo, mas à civil. Depois disso, a minha família fugiu da Ucrânia.
Em que situação se encontram agora?
Estivemos na cave do SBU durante quatro dias, de 2 a 6 de março de 2022. Durante oito meses, estivemos na prisão do centro de detenção preventiva de Lukyanovsky. Durante quatro meses, estivemos em prisão domiciliária 24 horas por dia. Nem sequer podíamos sair para deitar o lixo fora ou comprar comida, como na prisão. Desde março de 2023, estamos em prisão domiciliária noturna, com pulseira eletrónica. Só podemos sair durante o dia. Somos controlados quase todas as noites por homens com metralhadoras. Não nos deixam dormir normalmente. Não podemos arranjar emprego, mantêm-nos deliberadamente neste estado humilhante, privando-nos do nosso sustento para que nos acomodemos a mais um pedaço de pão, para os servir e fazermos o que eles querem.
Há sempre desconhecidos perto da nossa casa, assustam-nos constantemente com ameaças de assassinato. As nossas fotografias são constantemente divulgadas na internet, o endereço da nossa residência onde estamos em prisão domiciliária com apelos para que nazis nos venham matar, isto está a acontecer neste momento e de forma constante.
Há mais de um ano que a polícia vem ter connosco regularmente às 2 da manhã, às 5 da manhã, sem nos deixar dormir ou descansar, isto é tortura, tudo isto é feito de propósito, e isto acontece desde o momento em que saímos da prisão. A nossa vida está em perigo porque somos constantemente atacados por desconhecidos. Atacam-nos perto de uma loja ou de uma farmácia. Os agentes da polícia dizem-nos abertamente que nos vão matar, temos fotografias dos agressores, vídeos em que eles dizem abertamente que nos vão matar, mas não lhes acontece nada. Contactámos o Ministério Público, o departamento distrital da polícia, já escrevemos cerca de 30 declarações e fizemos telefonemas para a polícia, o regime não reage a isto de forma alguma. De um modo geral, podem fazer-nos o que quiserem a qualquer momento. Somos reféns do regime.
Como tentam ocupar os dias nestas circunstâncias?
A prisão domiciliária decorre num estado de excitação e ansiedade, estamos constantemente à espera de alguma coisa, que nos matem ou provoquem. Mas eu e o meu irmão não desistimos, lemos muito e praticamos desporto.
Há outros membros do Partido Comunista ou de outras organizações da oposição em situação igual ou pior?
Há atualmente milhares de comunistas e antifascistas nas prisões, muitos foram mortos, muitos estão detidos, muitos estão a ser julgados. O líder do comité antifascista da Ucrânia, Georgy Buiko, está a ser investigado e está em prisão domiciliária. Tem 75 anos de idade. Querem pô-lo na prisão durante cinco anos. Muitos dos nossos camaradas estão na prisão: Anatoly Miruta, Farhad Abdullaev e outros. O comunista Igor Nekrasov, de Lvov, foi preso, o comunista Yuri Petrovsky, de Zaporozhye, e há milhares de camaradas nossos. A nossa única culpa é o facto de sermos comunistas e antifascistas na Ucrânia, o que já é um crime. O meu camarada antifascista Volodya, com quem estive preso na mesma cela, enforcou-se, incapaz de resistir à tortura.
Apesar da perseguição aos comunistas, receberam mensagens de apoio de dentro da Ucrânia?
Apesar da propaganda do regime, temos muitos camaradas e ucranianos comuns que nos apoiam. Muitos têm simplesmente medo de nos apoiar abertamente. Mas são muitos.
Como é que encaram as mobilizações internacionais que exigem a vossa libertação?
Quero sublinhar que o regime só nos libertou da prisão graças à pressão internacional. A Federação Mundial das Juventudes Democráticas e o seu líder, o camarada Aritz Rodriguez, os militantes de esquerda e antifascistas da Europa e do mundo que vieram às manifestações em nosso apoio. Os meus camaradas da lendária banda de rock Banda Bassotti também ajudaram muito.