Poeta de combates e de lutas cívicas, com uma vastíssima obra poética (publicada e inédita de 1.625 poemas) que contém, na sua cósmica fulguração, a matéria frágil, o empenho humanista e a tessitura de sombras que faz a grande poesia, colocando em seu baú de transparências, sem absurdos lastros, em comunicação dialéctica uma experiência existencial e um saber constituído, como diria Edgar Morin.
Da têmpera de que são feitos os homens de coragem, de “antes quebrar que torcer”, Armindo Rodrigues cedo assumiu a condição de opositor ao fascismo, cedo ergueu a voz indignada contra a opressão, cedo conheceu as masmorras da Pide. Essa postura ética está patente nos últimos versos do belíssimo poema – eivado de nostalgia pelos caminhos da infância passada em Estremoz – de resto, só tenho saudades do futuro, inscrito nas suas memórias –, no qual o poeta evoca o avô, lutador contra a monarquia, e relembra uma das muitas idas ao Alentejo, espaço mítico (esse chão vermelho) que ocupa um lugar sentido (e sofrido), em diversos poemas da sua vasta obra: Meu avô/tem confiança/na decisão do teu neto,/que nunca te negará/nem baixará o olhar,/mesmo que o ponham de rastos,/mesmo que o queiram matar. Esta intrepidez reflecte o carácter vertical do poeta, médico e comunista, que Armindo Rodrigues foi ao longo de um percurso criativo singular e de profícua existência de 89 anos.
Daí José Saramago, em boa hora, com a lucidez e a sensibilidade analítica que lhe reconhecemos, face à ausência de referências críticas e de estudo atento e sem rasuras ideológicas, da vastíssima obra poética de Armindo Rodrigues, tenha entendido como necessário, elaborar a magnífica antologia que intitulou O Poeta Perguntador, percorrendo e selecionando poemas dos muitos volumes que o poeta publicou desde Voz Arremessada ao Caminho, até Elegias, percorrendo 14 livros publicados num período temporal que vai de 1943 a 1976. A antologia perfeita, escreve Saramago, será provavelmente aquela que, graças a escrúpulos minuciosos de dosagem, rigorosa equidade e imparcialidade de juízo, consiga apresentar, da produção de qualquer poeta, uma imagem que, não obstante a forçosa abreviação quantitativa, conserve a figuração geral dos temas e dos modos, com entrada proporcional de todos os elementos textuais constituintes da obra. Qualquer coisa, enfim, como uma redução à escala de um quebra-cabeças. Esses escrúpulos de dosagem, permitem aos leitores de hoje, e graças à criteriosa selecção dos poemas inscritos nesta antologia, percorrer a poética de Armindo Rodrigues, a sua evolução formal e temática e o envolvimento ético que expressa, desde os anos da ditadura até aos dias amplos e libertos de Abril. Esse envolvimento questionador sobre a realidade dos dias cercados, manifesta-se logo no livro inicial, no poema Posição de Guerra: Crescem em mim milhões punhos/cerrados,/bandeiras desfraldadas,/horizontes./ Soam em mim milhões de brados/resolutos,/protestos brutos,/queixumes./Abrem-se em mim milhões de chagas,/como crateras de fogo.//Rompem em mim vendavais.//Sou eu que me interrogo,/a tudo atento,//sobranceiro ao gozo ou ao sofrimento,//com pensamentos verticais.
Armindo Rodrigues – O Poeta Perguntador – Selecção e notas de José Saramago – Edição Página a Página.