As raízes da Reforma Agrária mergulham nas seculares lutas dos trabalhadores rurais do Sul. A ditadura fascista agudizou a miséria e a repressão que se abatia sobre estes trabalhadores. Mas, apesar das vagas de prisões e mortes, de fome, emigração e desemprego, foram várias e significativas as suas lutas, sendo a mais simbólica a conquista da jornada de 8 horas de trabalho, arrancada ao fim de meses de greves e lutas por todo o Alentejo e Ribatejo.
Com o 25 de Abril, os trabalhadores agrícolas mobilizaram-se de imediato para defender a Revolução e para melhorar as suas condições de trabalho e de vida. Contudo, depararam-se desde logo com a reação dos grandes agrários, que preferiram o boicote económico, traduzido em despedimentos, na morte do gado pela fome, na não retirada da cortiça ou deixando os campos por amanhar.
Perante esta situação, e dando materialidade à palavra de ordem “a terra a quem a trabalha”, que há muito circulava no Sul do País, os trabalhadores agrícolas lançaram-se à ocupação das terras. Entre Dezembro de 1974 e o início de 1976, foram ocupados 1 milhão e 140 mil hectares, cerca de um terço da área agrícola do Sul do País, num movimento que conheceu especial ímpeto a partir da I Conferência dos Trabalhadores Rurais do Sul, convocada pelo PCP em Fevereiro de 1975.
Na sequência das ocupações, foram criadas 550 UCPs – Unidades Coletivas de Produção – criação original da Revolução de Abril e dezenas de milhar de empregos diretos. As áreas semeadas e as produções de várias culturas aumentaram significativamente. Foram incorporados milhares de tratores e outras máquinas e alfaias agrícolas. Fizeram-se centenas de benfeitorias e melhoramentos fundiários (estruturas de rega, despedregas, instalações elétricas, estábulos, armazéns, etc.). Introduziram-se novas culturas e novos processos de produção.
Para todo este esforço, em muito contribuiu a solidariedade ativa oriunda de trabalhadores de outros setores em Portugal, mas também de países socialistas e de organizações de países capitalistas.
A par do Poder Local Democrático, a Reforma Agrária contribuiu ainda para a qualidade de vida das populações, promovendo a construção de lares, creches, postos de saúde, cooperativas de consumo e outras infraestruturas sociais.
No entanto, e apesar de consagrada na Constituição da República Portuguesa de 1976, a Reforma Agrária desde cedo enfrentou a ofensiva violenta e destruidora, em especial, a partir da Lei 77/77, a Lei Barreto, instrumento que veio a servir para retirar terra, capitais e património às UCPs, promovendo a sua entrega aos agrários.
A resistência dos trabalhadores da UCPs enfrentou a repressão militar e policial, traduzida em espancamentos, torturas e até mortes. Os Governos de PS, PSD e CDS, em vários arranjos, promoveram a asfixia financeira das UCPs e recusaram-se a acatar centenas de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, num mar de ilegalidades até hoje impune.
Em 1989, ano da última das 12 Conferências da Reforma Agrária, apenas restavam pouco mais de 200 mil hectares na posse das UCPs. A entrada para a CEE – Comunidade Económica Europeia, antecessora da UE, constituiu mais um fator de discriminação e desarticulação da Reforma Agrária. É ilustrativo que, enquanto não conseguiram destruir a Reforma Agrária, sucessivos governos se tenham recusado a construir infraestruturas essências para o Alentejo, como a barragem do Alqueva.
Numa altura em que a realidade da agricultura do Sul do País é dominada pelas vastas áreas de monoculturas, pela penetração de capital estrangeiro e de fundos de investimento, em que o abandono, a desertificação, o desemprego e a emigração tomaram conta desta parte importante do território nacional, é tempo de olhar para este processo, e de nos questionarmos como é que muitas das suas conquistas e características essenciais podem fazer parte de um Portugal mais democrático, mais soberano e produtivo, com maior justiça na distribuição da riqueza entre camadas da população, mas também entre territórios. A Reforma Agrária continua a ser um horizonte de futuro.