Entrevista

Trabalho

António Tremoço: “É difícil esquecer o 1.º de Maio de 1974

Operário metalúrgico, começou a trabalhar aos 11 anos na Amadora, terra para a qual os pais migraram do Alentejo à procura de melhores condições de vida. Depois de ser obrigado a combater em África, António Tremoço entrou na maior fábrica da cidade. Na Sorefame, foi uma das principais figuras entre os trabalhadores durante o processo revolucionário. Esteve nas ruas no dia 25 de Abril de 1974 e participou com milhares na maré humana que percorreu Lisboa no 1.º de Maio.

A sua família partiu do Alentejo para a Amadora à procura de melhores condições de vida. Como é que foi esse processo?

Eu vim pequenino para aqui. Tinha uns 10 anos. Naquela zona do Alentejo, em Ourique, não havia trabalho. E como a minha mãe já tinha um nível cultural alto percebeu que só fugindo para Lisboa é que os filhos poderiam fugir à miséria que se vivia no Alentejo. Então, pressionou o meu pai para virmos para Lisboa.

Com que idade começou a trabalhar?

Ainda não tinha 11 anos. O meu primeiro emprego foi numa empresa que fazia já balanças chamada Medines. Ainda hoje andam aí balanças dessas, mas naquela altura fazia-se também umas para pesar petróleo e azeite. Tinham uns carretos. E essa empresa empregava muitos miúdos. Tínhamos um oficial que punha a máquina a funcionar como deve ser e depois nós íamos íamos fazendo o trabalho.

António Tremoço

Mais tarde, vai para a Sorefame.

Só depois de vir da tropa. Estive em Moçambique durante dois anos e tal. E, quando regressei,voltei para uma empresa em Belém, junto aos Jerónimos. Depois ainda passei por uma empresa de plásticos na Amadora. Em 1969, entro na Soferame.

Já tinha alguma consciência política?

Quando entrei na Sorefame tinha pouca consciência. Era uma pessoa revoltada com a situação, como era a maior parte da juventude, porque a exploração era muita. Ganhavámos muito pouco e a situação não era nada fácil. Não tínhamos direitos nenhuns. Havia uma revolta muito grande. Nesse período, entrou muita gente jovem e havia alguns trabalhadores mais antigos na empresa. Na minha secção, havia lá um que nos dava a ler o Avante! clandestino e nós líamos tudo isso. A partir daí, eu e os outros jovens começámos a ter uma noção diferente e foi a partir daí também que se deu a primeira greve antes do 25 de Abril, na Sorefame, em janeiro de 1974.

Quantas pessoas trabalhavam na Sorefame na época?

Na época em que entrei, trabalhavam já à volta de umas três mil e tal pessoas. Em 1979, chegámos a ter quase seis mil trabalhadores. 

Como foi essa greve três meses antes da revolução?

Na Sorefame, já havia alguns elementos do PCP. Faziam trabalho junto dos operários de forma clandestina. Foi esse trabalho na clandestinidade que deu origem a que, a nível das várias secções, se desse essa situação de revolta e as pessoas acabassem por vir para a parada em greve. A adesão foi grande, embora depois acabasse por haver alguma desmobilização com o medo. Na empresa havia muitas pessoas ligadas aos gajos da PIDE. Começaram a meter medo às pessoas dentro da empresa e aquilo foi desmobilizando. Mas ao princípio foi de facto uma prova de força muito grande. Quer dizer, ninguém estava à espera de uma situação daquelas, não é? Essa greve deu origem depois a que conseguíssemos fazer uma reunião das várias secções e a própria administração aceitou alguns aumentos salariais, coisa que não tínhamos anteriormente.

Entretanto, dá-se o 25 de Abril.

A maior parte da malta da empresa foi toda para Lisboa. A malta mais operária. Fomos todos apanhados de surpresa. Mas, assim que tivemos conhecimento da situação, acabámos por ir para a rua com os outros trabalhadores, deslocámo-nos para Lisboa e fomos para a rua como milhares e milhares de trabalhadores e passámos todo o dia na rua. Cheguei a ver as operações militares, acabámos por ver isso tudo. 

Logo a seguir ao 25 de Abril, veio o 1.º de Maio.

Não deu muito tempo para nos organizarmos, mas como havia toda a situação em que vivíamos nem foi preciso. Foi, de facto, uma grande manifestação. Havia mesmo muita gente da Sorefame. Íamos de forma dispersa, sem qualquer pano. Foi a primeira manifestação livre em que participei. Já tinha participado em iniciativas relacionadas com o 1.º de Maio na Amadora de forma ilegal, ainda durante o fascismo. Foi uma coisa que é difícil de esquecer. Não estávamos habituados a ver uma multidão daquelas, com aquela força, com aquela dinâmica, com aquele entusiasmo. Criou-nos um entusiasmo de tal maneira que foi meio caminho andado para depois continuarmos toda a luta que se desenvolveu. E, logo nessa altura, como já vínhamos daquela luta com a organização clandestina dentro da empresa, com um elemento de cada secção, formámos logo uma comissão e começou, de facto, o nosso trabalho. Ali havia pessoas que defendiam coisas completamente diferentes, mas conseguimos o que era essencial, os aumentos. Praticamente conseguimos passar para o dobro do ordenado que tínhamos. 

E que impacto teve isso nas vossas vidas?

Teve um impacto muito grande. Deu logo para a gente alugar uma casinha, ter a nossa casa. Acabámos por, grande parte daquele pessoal, comprar um carro. Começámos a ter uma vida completamente diferente. Não tem nada a ver com a situação que tínhamos. 

Os trabalhadores passaram a ser tidos em conta na gestão da Sorefame?

Depois, formámos a Comissão de Trabalhadores, já eleita pelos trabalhadores, em eleições livres, dentro da empresa. E a partir daí, tínhamos direito a que um elemento da Comissão de Trabalhadores participasse nas reuniões da administração. O capital maioritário na empresa era do Estado. Nós não geríamos a empresa mas participávamos na discussão. Participávamos com as nossas intervenções e as nossas propostas. Ao longo de vários anos conseguimos grandes vitórias. Conseguimos melhorar salários, conseguimos reduzir horários de trabalho, conseguimos melhorar as profissões. Tínhamos direito a refeições gratuitas, melhorámos os serviços em relação à segurança no trabalho. 

E que papel é que assumiu?

Fui responsável pela Comissão de Trabalhadores com outros camaradas e participei mais tarde no Sindicato dos Metalúrgicos e na Federação dos Metalúrgicos. Também na própria União dos Sindicatos de Lisboa. Mas grande parte do tempo foi, de facto, na empresa. Foi uma participação muito intensa, sobretudo no processo revolucionário. Também reunia com camaradas que vinham da clandestinidade. Eram duros mas transmitiam uma força e uma confiança tal que nos ajudaram a conquistar grandes vitórias. A Sorefame tinha um peso muito grande no concelho da Amadora e havia também a Cometna. Essas empresas, ali na zona industrial, pela luta que desenvolviam criavam uma dinâmica na rua que ajudaram até a que a autarquia fosse liderada pelos comunistas.

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