Entrevista

Humor

Diogo Faro: “Não sinto essa obrigação de estar sempre a fazer rir”

Diogo Faro tem 33 anos e é um dos humoristas mais seguidos nas redes sociais.
Acompanhado por dezenas de milhares de pessoas, procura fazer do humor uma arma
política contra todas as formas de discriminação e assume-se abertamente antifascista.
Para o jovem, fazer rir pode ser uma forma de mudar as pessoas.

Vens de uma família politizada? Como é que o humor se encontra com a política?

Sim, a minha família não é super politizada, mas sempre foi de esquerda. O meu pai era um dos músicos que andava com o Zeca Afonso e com o Zé Mário Branco. Foi diretor do GAC, foi da UDP e mais uma data de coisas. Depois deixou um bocado a luta para ficar só na música… 

E sentes que vais beber a essas raízes?

Sim. Sabendo que o meu pai andou pelo país todo nas fábricas e nos comícios e a cantar pelo país. Andou por França com o Zeca e com o Zé Mário acho que foi para o Japão. E, pronto, isto também mexe connosco, não é? Depois, eu também era mais para ser músico, fiz o conservatório todo. 

Como é que se dá o processo de chegar a comediante? Sei que andaste a fazer stand-up em bares.

Sim, eu estava numa agência enquanto criativo, publicitário, já trabalhava, mas eu trabalhava imenso, aquilo era estupidez. E agora, quanto mais conheço do mundo, mais percebo que estava a ser exploradíssimo. Depois saí e comecei a fazer stand-up nuns barzitos e comecei a fazer outros trabalhos. As coisas foram correndo bem. Sempre gostei muito de escrever, tinha um blogue antes de ser comediante e aí é que se desenvolveu o “Sensivelmente Idiota” que depois passou para página de facebook, cresceu muito e as coisas todas conjugadas fizeram-me o “ok, vou ser comediante”. E, passado um ano, consegui sair da casa da minha mãe e pagar a minha renda, dividir a casa com mais três marmanjos.

O teu trabalho e a tua presença nas redes sociais invoca muitas vezes causas políticas. 

Realmente o meu percurso de comediante tem-se afunilado muito no processo de comediante político e tento usar a minha plataforma para falar mais de política e de consciência social. No início, interessava-me enquanto cidadão, porque sempre me interessou, mas não misturava muito.

Alguns humoristas como o Ricardo Araújo Pereira dão a entender que o seu objetivo primordial é o humor e que o resto é secundário. Tu usa-lo como arma política.

Eu não me rejo por essa máxima da maior parte dos comediantes de que “só tenho é que fazer rir”. Eu sinto-me artista e se quiser escrever um texto que não é para rir, escrevo, se for para rir, também… Outra coisa, eu não minto às pessoas. Se estou a vender um espetáculo de stand-up, tenho de fazer rir, não é? Mas não sinto essa obrigação de estar sempre a fazer rir e que tenho de privilegiar sempre o humor e a piada acima de tudo. 

Mas encaras o humor como uma ferramenta de possível transformação social, ou seja, de consciencializar pessoas.

Sim, não descarto essa responsabilidade. Também acho que não faz sentido dizermos, lá está, que é só uma piada e que não vou mudar a opinião dos outros com a minha piada e com os meus textos. É mentir, não é verdade. Com a quantidade de seguidores que eu tenho, e com as pessoas que vão aos meus espetáculos, não estou a dizer que sou um profeta, mas para o bem e para o mal, porque também há montes de gente que nós sabemos que me odeia, eu sei que o que digo afeta as pessoas. Pode realmente mudar para o bem ou pode não fazer nada mas não posso dizer que as coisas que eu faço passam incólumes e que não há responsabilidade. Há responsabilidade nas coisas que eu digo e que eu faço, como é óbvio. Com a plateia que eu tenho, tenho de assumir a minha responsabilidade e não descartar e fingir que isto é só o humor e não me liguem. Não, não faz sentido.

As pessoas chegam até ti sobretudo pelas redes sociais, que é um terreno cada vez mais central do discurso político.

Eu tenho uma relação de amor-ódio com as redes sociais. São super importantes, mas também as estudo muito, com os documentários que têm saído, os livros que tenho lido, são extremamente preocupantes como o The Age of Surveillance Capitalism, da Shoshana Zuboff, sobre os algoritmos e como estão a condicionar tudo, a maneira como radicalizam muito as pessoas. Isto está tudo ligado ao capitalismo das big-tech, etc. E é extramente preocupante. Por outro lado, se nós também desistirmos e não usarmos as redes sociais para o lado bom, para as políticas mais humanistas e sociais, deixamos tudo ao deus-dará.

Como é que te preparas, sentes necessidade de aprofundar os temas?

Sou um desorganizado do caraças. Tenho é muito interesse. Estou a ler um livro e depois de repente vou à internet e compro outros dois porque aquele livro me conduziu a sugestões e depois ainda nem sequer estou a acabar aquele e já estou a encomendar mais. Agora estive a ver uma reportagem super assustadora sobre a geração identitária, sobre como está o movimento de fascistas em França e como está ligado à Le Pen. É assustador. Estou sempre a ver este tipo de documentários, há anos! O meu discurso não é de agora. Mal se falava do Ventura, já eu andava a ver uma data destas coisas e a ver o que é que se passava na Hungria e na Polónia.

De que forma é que achas que as redes sociais têm ajudado a extrema-direita a solidificar o seu discurso, a expandi-lo e a angariar mais apoiantes?

No sentido de ser simplista e rápido, porque o discurso da extrema-direita é super simplista. É mais fácil dizeres num post que a culpa é dos ciganos do que explicar o que é um sistema super complicado político e socioeconómico que está a lixar o mundo através de transações financeiras. E depois há toda a questão do algoritmo e de como privilegia — e já está provado em vários estudos — o discurso de ódio, porque rende mais em termos de publicidade.

Depois das eleições presidenciais, ficaste com a ideia de que há 500 mil portugueses fascistas?

Não posso achar isso. Acho que é contraproducente e não vamos ganhar nada. Mas não vou passar um pano sobre isso porque há muita gente fascista. Um amigo que se está a marimbar para os direitos das outras pessoas e que quer mesmo uma elite superior no governo do país e do mundo não tem desculpa e cá estaremos para lutar. Agora, há outros — e isto não é nada representativo do país — mas dá-me um bocadinho de esperança: é que eu recebi várias mensagens a propósito do vídeo que fiz a tentar desmontar as mentiras do Ventura, precisamente sem começar logo a chamar fascista e racista, para ter uma atitude mais explicativa. O vídeo era para as pessoas imaginarem o que é estar num país sem sindicatos, sem sistema nacional de saúde, sem educação pública. Para além de ele mandar uma deputada negra para a terra dela e essas barbaridades. E o facto é que recebi, que tenham sido dez mensagens. Parece pouco, mas ao mesmo tempo é imenso, pessoas a dizerem “obrigado, consegui convencer o meu pai a não votar no Ventura por causa do teu vídeo” e “olha mostrei a dois amigos meus e eles perceberam que afinal este gajo é um intruja”. Portanto deu-me um bocadinho de esperança. Há um caminho, muito difícil e trabalhoso, mas há um caminho de não hostilizarmos, se não pusermos todos no mesmo saco.

Isto vai ao encontro daquele debate que existe desde o Trump e do Bolsonaro sobre se se deve dar palco ou não à extrema-direita.

Temos de ser criteriosos, tanto eu como os jornalistas… Há coisas óbvias, não é? Se levas o Ventura ao programa da tarde e lhe dás uma coelha para fazer festinhas… Isto é lógico para alguém em democracia? É lógico teres o Diogo Pacheco Amorim a falar num debate para a RTP, um gajo que toda sabe que é terrorista e que andou a tentar que o 25 de Abril não acontecesse? É que isto, para mim, é chocante. Por outro lado, claro que se tem de falar das coisas, tem de se desmontar, tem de haver investigações grandes como a do Miguel Carvalho na Visão ou como a do Pedro Coelho na SIC. Tem que haver um bocado de bom senso. Estas coisas do Goucha relativizar e normalizar a extrema-direita não faz sentido nenhum.

De certa forma, quando o Ventura lança o desafio de se demitir se ficasse em 3.º lugar parece que isso passou a ser a questão central da campanha eleitoral para alguns.

Eu acho que todos os candidatos estiveram relativamente bem nisso, tanto a Ana Gomes, como o João ou a Marisa. Sempre convictos dos seus ideais e a falar do Marcelo e a relativizar a presença desse anormal. Mas lá está, a comunicação social, e não gosto de pôr toda a comunicação social no mesmo saco, vai atrás do circo. Agora no rescaldo das eleições, houve alguns sites, alguns órgãos, que noticiaram como o Marcelo foi vencedor, mas que a estrela foi Ventura. Mas qual estrela? Mas porque é que estamos a chamar estrela a um fascista? 

Costumas receber ameaças?

Quase todos os dias…Há coisas gravíssimas que me dizem. Acho que não é nada normal que me digam “devias ser decapitado no Terreiro do Paço”. Acho que não é normal que se diga isto a uma pessoa só porque não se concorda com ela. Eu sei que posso ser bruto mas as coisas que defendo são todos vivermos felizes e como é que alguém me vem dizer “tu devias ser decapitado no Terreiro do Paço”?

Tocas muito nas questões do racismo, da homofobia, do feminismo. Tens a leitura de que essas formas de discriminação têm uma relação direta com o capitalismo?

Claro, mas demorei a perceber isso, e ainda estou a perceber. Está tudo mais que ligado e mais do que nunca é altura de todos, nós de esquerda, de centro, de percebermos que o sistema capitalista é o principal fomentador das outras opressões e de como todas estão ligadas: racismo, xenofobia, transfobia, machismo. E essa é outra das coisas que eu quero tentar passar para mais perto das pessoas.

Há também um grande preconceito em relação aos sindicatos, às lutas dos trabalhadores e muitas vezes parece que é mais fácil abraçar certas lutas contra o racismo, contra a homofobia, etc., do que uma luta sindical. Sentes isso? 

Sinto e por isso é que acho que é tão importante as coisas começarem a estar mais ligadas e que se fale cada vez mais da interseccionalidade das lutas. Não faz sentido um feminismo sem luta de classes, nem um anti-racismo sem luta de classes. Às vezes rio-me quando vejo tweets “ah, a comunicação social é toda liderada pela esquerda”. É quase tudo de direita, quase todos os comentadores são de centro-direita ou fascistas, tipo o Júdice. Assim fica difícil de formar opinião e de valorizar este tipo de assuntos, os direitos dos trabalho e dos trabalhadores. Como há muito menos gente a falar sobre isso, é sempre chutado para canto. Mesmo os outros assuntos, de racismo e de feminismo, também essas lutas são desvalorizadas.

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