Quando há 50 anos, os militares saíram dos quartéis não sabiam duas coisas: se o levantamento ia ser bem sucedido e, a sê-lo, que rumo tomariam os acontecimentos. A revolução de Abril é, por isso, obra, em primeira mão, dos soldados, mas, sobretudo, dos trabalhadores e do povo que imprimiram à revolta um carácter popular e progressista. É também fruto dos que durante 48 anos lutaram contra o fascismo, muitos deles pagando com a própria vida. E, naturalmente, dos povos que nas colónias encetaram o combate pela libertação nacional. 

Se a nossa ditadura tivesse acabado como em Espanha, teria sido apenas uma mudança cosmética. Em Portugal, a correlação de forças social, política e militar permitiu ao povo e às suas organizações e movimentos alterações significativas em todas as esferas da vida do país. A intensa participação, verdadeiramente democrática, era um perigo para as elites económicas e, nesse sentido, partidos como o PS, PSD e CDS, de onde derivaram entretanto IL e Chega, puseram-se ao serviço do passado. Hoje, 50 anos depois, a maioria das famílias que dominava Portugal com o beneplácito de Salazar e Caetano, põe e dispõe dos poderes que lhes de devolveram, incluindo o de continuarem a determinar de que forma se comporta o poder político.

Não é pois estranho que sejam as mesmas elites económicas a patrocinar a extrema-direita portuguesa. Depois de destruírem o processo revolucionário, não conseguiram, ainda assim, evitar uma Constituição progressista. O trauma dos grandes grupos económicos e financeiros e da direita com a revolução de Abril é consequência deste processo ter posto em xeque muitos dos seus privilégios. A última vitória eleitoral da direita e a subida exponencial da extrema-direita representam um retrocesso para os trabalhadores e o povo. Qual a resposta? Sempre as ruas. É o poder dos trabalhadores e das populações organizadas nos seus sindicatos, movimentos sociais, comissões de moradores e coletividades que pode impor-se nas ruas. Não nos esqueçamos nunca de que somos nós a maioria e que eles precisam dos nossos braços para pôr as suas empresas a funcionar. Somos nós que lhes pagamos os iates, as férias nas Maldivas, os torneios de padel e as casas de campo. A revolução de Abril também foi isso: o tempo em que percebemos que tínhamos de ser nós a encher-lhes os bolsos com a nossa miséria e a nossa fome. Eles querem esse tempo de volta. Demos-lhe Abril como troco.

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