Opinião

Clima e Energia

Vozes da terra, vozes dos operários

A desordem neoliberal desencadeou crises sistémicas – socioeconómica, ecológica e geopolítica – que se justapõem e reforçam mutuamente.

As alterações climáticas são uma das expressões mais nefastas de uma crise ecológica de escala planetária (que inclui a extinção de biodiversidade, a desflorestação, a acidificação dos oceanos ou a poluição por plástico), cujo impacto ameaça a segurança humana.

A barbárie climática está à vista: de acordo com o Relatório Síntese do IPCC, publicado em março de 2023, entre 3,3 e 3,6 mil milhões de pessoas “vivem em contextos altamente vulneráveis face às alterações climáticas”. Os eventos meteorológicos e climáticos extremos, como as ondas de calor, as secas prolongadas, a precipitação extrema e as cheias multiplicam-se e tornar-se-ão mais frequentes e severos à medida que as alterações climáticas se intensificam.

O mês de janeiro de 2024 foi o mais quente alguma vez registado, com uma temperatura média global de 13.14ºC. De acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, em Portugal continental viveu-se o janeiro mais quente dos últimos 58 anos. Entre os dias 22 e 31, verificou-se a ocorrência da onda de calor mais significativa observada no mês de janeiro, desde 1941.

Perante a barbárie, é imperativo acertar no diagnóstico e nas prescrições. Desde logo, há-que desconstruir e repudiar o engodo neoliberal de acordo com o qual os indivíduos – os seres humanos em geral – são simultaneamente responsáveis pelo desencadeamento e pela resolução da crise climática. Esta narrativa é extremamente conveniente, pois dilui responsabilidades, distribuindo-as uniformemente por toda a espécie humana. A humanidade seria, deste modo, uma entidade monolítica, completamente homogénea e, sobretudo, a-histórica.

Comecemos então por reformular o diagnóstico: a crise climática em curso é um dos resultados mais devastadores do capitalismo fóssil – um modelo de produção alicerçado na acumulação contínua de capital e lucro, no consumo voraz de combustíveis fósseis e no extrativismo de recursos naturais. Esta crise expõe uma contradição insanável: a expansão do sistema capitalista – que explora, simultaneamente, os trabalhadores e a natureza, dependendo, igualmente, de trabalho reprodutivo não remunerado – colide com os limites biogeofísicos do planeta.

As consequências da crise climática são profundamente desiguais, gerando uma situação de verdadeira injustiça climática, que se traduz não só na agudização de uma cisão geográfica, entre o norte e o sul, mas sobretudo de uma cisão de classe, entre o capital e os trabalhadores. Deste modo, a crise climática deve ser interpretada num quadro de luta de classes, reconhecendo que uma pequena minoria de capitalistas que detêm e controlam os meios de produção produzem alterações profundas no sistema climático terrestre. Aquilo que pode ser designado por capital fóssil, adotando a terminologia de Andreas Malm, e que se refere às formas de capital que geram lucro através da emissão de dióxido de carbono.

A par da reformulação do diagnóstico da crise climática, é imprescindível que imaginemos futuros anticapitalistas e nos empenhemos na construção de alternativas radicais, ou seja, necessariamente ecológicas e democráticas. Esse projeto político é sintetizado pelo Ecossocialismo. Em traços gerais, pode ser entendido como uma corrente de pensamento e um movimento político que procura aliar os princípios fundamentais da ecologia à crítica marxista da economia política, expurgada das lógicas do produtivismo e do extrativismo. A sua essência está contida na célebre frase de Chico Mendes, ambientalista e sindicalista brasileiro: “ecologia sem luta de classes é jardinagem”.

Ancorando-se no planeamento democrático ecológico (da produção e do investimento público) e no controlo coletivo dos principais meios de (re)produção, o Ecossocialismo tem como horizonte a justiça social, em harmonia com os limites biogeofísicos do planeta. Os seus principais atores políticos são as classes trabalhadoras urbanas e rurais e os seus sindicatos – que já carregam o maior fardo da desordem neoliberal –, numa aliança com protagonistas de outras lutas socioecológicas. Apenas um movimento popular de massas alicerçado na classe trabalhadora poderá derrotar o poder arraigado da classe capitalista.

O movimento sindical e o movimento pela justiça climática têm de se aliar para derrotar o inimigo comum – o capitalismo fóssil –, que coloca os lucros à frente das pessoas e do planeta. Só o cruzamento destes dois eixos fundamentais – trabalho e clima –, materializado através do Ecossocialismo, poderá conquistar o apoio popular e, por conseguinte, o respaldo democrático necessário para combater a crise climática.

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