Cultura

A Voz dos Livros

Viveram-se Tempos Difíceis,

50 anos após o dia inteiro e limpo, será o espaço para a memória, para o balanço do que foram estas cinco décadas mas, sobretudo, para o processo memorialístico dos anos anteriores ao 25 de Abril de 1974, feito pela geração que lutou contra o fascismo, que esteve presa nas masmorras da PIDE, que se exiliou, que esteve a contragosto numa guerra longa e injusta nas colónias.

de Aguinaldo Cabral

Essa memória, transposta em livro, é essencial para o entendimento cabal do que foram os anos terríveis dos consulados de Salazar e Caetano, passando esse conhecimento, de forma perene, às gerações vindouras.

O livro de Aguinaldo Cabral, Viveram-se Tempos Difíceis, vai nesse sentido, o de contar, de uma forma muito realista, o que foram os tempos vividos durante os tempos duros do fascismo, nomeadamente por uma classe que poderia, pelas suas origens, quedar-se alheia a essas lutas. Aguinaldo Cabral, filho do grande escritor Alexandre Cabral, estudante de medicina, não o deixou de fazer, estando desde muito novo ao lado dos trabalhadores nas suas lutas e nas suas justas reivindicações, arriscando.

Nascido em Lisboa em 1939, já com o Estado Novo em pleno funcionamento e as suas políticas repressivas em activo de ignomínia, médico especialista em Pediatria Médica, trabalhou na Unidade de Doenças Metabólicas do Serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria, da qual foi um dos principais responsáveis. Ainda enquanto estudante, aderiu em 1960 ao PCP, participando activamente na crise académica de 1962, sendo um dos 81 estudantes que ocuparam a Cantina da Cidade Universitária, na qual iniciaram uma greve de fome protestando pelas condições do ensino e da falta de liberdade em Portugal. Foi preso político em 1965, estando nas masmorras do Aljube e Caxias.

Este livro Viveram-se Tempos Difíceis, fala desses dias de brasa, das questões da vida em clima de opressão, das condições de saúde da população em tempos de fascismo, da Guerra Colonial e do modo como, apesar das prisões e do cerco, era possível respirar, lutar, ter ideais de fraternidade, de liberdade e sonhar com dias mais largos e felizes, criar bases para um futuro sem prisões nem algemas.

Os onze contos que constituem este livro, escritos entre 2021 e 2023, já com o médico Aguinaldo Cabral jubilado, são contos autobiográficos, nos quais o narrador assume a identidade do autor, dado que todos eles vão escritos na primeira pessoa. São contos modelares de coragem e de afirmação de uma vida plena, vivida com a luta por dias mais justos mas, igualmente, com júbilo, fraternidade e amor.

Viveram-se Tempos Difíceis, de Aguinaldo Cabral, é um testemunho, mais um, que percorre, com assertivo empenho da memória, a denuncia do que foi o regime déspota derrubado há 50 Anos.

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