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Portugal refém: 25 por cento do orçamento da saúde é gasto em medicamentos

“Melhor negócio do que a saúde, só o das armas”. Declarou Isabel Vaz sobre as parcerias público-privadas hospitalares, que serve que nem uma luva ao aumento do preço dos medicamentos.

Especula-se com o medicamento: dentro da Europa compete-se para ter acesso a medicamentos escassos, produção assegurada pela indústria farmacêutica privada. Por um lado, não interessa vender aos que menos pagam e por outro, cobram preços insustentáveis por medicamentos inovadores; a “atual conjuntura económica nacional e internacional” justifica “critérios excecionais que permitem um aumento nos preços dos medicamentos com valor mais baixo” (Portaria da revisão de preços dos medicamentos). 

Sustentado no argumento de que o preço baixo dos medicamentos é o fator para a falha nas farmácias dentro do “mercado europeu”, o preço de venda a público dos medicamentos abaixo dos €15 sofreu aumento durante o ano 2023. O aumento regular foi entre 2 e 5%, verificando-se em 2022 e 2023 vários aumentos extraordinários deferidos pelo governo português. Prevê-se a continuação do aumento em 2024. 

A despesa com medicamentos no SNS consome um quarto do seu orçamento. Nos hospitais verificou-se no ano passado um aumento de 12% nas despesas com fármacos. Quanto às farmácias na comunidade, a despesa suportada pelo Serviço Nacional de Saúde aumentou 3,5% e a que fica a cargo dos utentes subiu 6,6%. Impacto determinante para os 73% da população com mais de 75 anos que depende de 5 ou mais medicamentos. Portugal é um dos países da OCDE em que o governo investe menos na saúde – menos de 6,2% do PIB e destes, parte, em externalização para o setor privado.

A evolução tecnológica, também na área do medicamento, mais do que para a despesa, contribui para ganhos em saúde, nomeadamente, no aumento da esperança de vida. Entre 1975 e 2022, de 68,4 anos para 81,5 anos. 

Segundo o estudo “Medicamentos: se estão mais baratos, porque gastamos mais?” (NOVA SBE e DECO, 2024) o problema está na escolha do utente, que na hora de comprar opta pela marca em vez do genérico. Demonstra-se assim, que os grupos homogéneos de medicamento (criados no sentido de facilitar escolha e limitar preços) só serão uteis com medidas efetivas de disponibilização de genéricos. Frequentemente, o utente que necessita de um medicamento, por ser a resposta efetiva e científica para a sua saúde, não encontra o genérico na farmácia, mesmo com receita médica.

Despesas catastróficas

A aquisição de fármacos não é uma opção. O custo dos medicamentos continua a consumir uma parte significativa do orçamento das famílias, assumindo maior dimensão nas pessoas com doenças crónicas.

Em Portugal, apenas 63,2% dos gastos em saúde provém de recursos públicos. Ter acesso à saúde, pressupõe um enorme gasto direto do próprio bolso: 29% das despesas em saúde são deste género, perto de 10% superior à média da OCDE.

A despesa com saúde empurra algumas pessoas para níveis inferiores à linha de pobreza. São já 10,6% os portugueses que têm despesas catastróficas em saúde (mais de 40% do seu rendimento serve para pagar diretamente cuidados de saúde).

O avanço científico, o avanço na prestação de cuidados só serve o seu propósito se for disponibilizado à maioria da população mundial. A primovacinação generalizada na população mundial permitiu erradicar doenças. A adequação da investigação e do desenvolvimento científico às necessidades em saúde da população mundial, permitirá dar resposta a flagelos cujas principais vítimas são uma grande fatia da população mundial que está longe dos problemas da minoria que detém o capital e os meios de produção das soluções em saúde.

“Penso nos outros, logo existo”

Na frase de José Gomes Ferreira cabem as questões de solidariedade e soberania inerentes ao sector farmacêutico. O acesso ao medicamento é parte integrante do acesso à saúde. 

Para que um país deixe de estar refém dos interesses da indústria farmacêutica, é necessário escolher investigar, produzir e distribuir substâncias ativas e medicamentos com recursos públicos. Um laboratório com capacidade para produzir os medicamentos com pouco interesse comercial, os adequados para o tratamento de doenças mais prevalentes, para a produção dos genéricos mais consumidos e para produzir medicamentos de resposta a doenças raras.

Em 2020 o Laboratório Nacional do Medicamento teve cabimento no Orçamento do Estado, por proposta do PCP. A Assembleia da República pode de novo fazê-lo e, desta vez, concretizá-lo, existam deputados com força política suficiente para o assumir.

A estratégia de resolver a escassez com o aumento de preços permite que as necessidades em saúde sucumbam perante as leis especulativas dos mercados, à custa da degradação da qualidade de vida de alguns. 

Centrar a política do medicamento nas pessoas é possível através da produção nacional dos medicamentos indispensáveis, através da investigação publica de princípios ativos, através da disponibilização por sistema de unidose, das patentes livres e cumprir a responsabilidade solidária internacional dos que têm mais recursos contribuírem para a investigação dos problemas de saúde globais, também dos que afetam mais os países com menos.

O conhecimento e a evolução humana dependem desta globalização de conhecimento e recursos.

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