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Síntese de uma polémica: o Novo Aeroporto de Lisboa

Para muitos deverá resultar incompreensível que o país ande há mais de 50 anos a tentar avançar com a construção de um Novo Aeroporto em Lisboa (NAL) sem que o mesmo avance. É inaceitável mas pode ser perfeitamente compreendido.

A razão inicial porque o NAL foi decidido residia no facto de ser necessário encerrar o Aeroporto da Portela. Essencialmente porque está dentro da malha urbana, mesmo dentro da cidade de Lisboa, tendo impactos brutais sobre a qualidade de vida na cidade, desde a poluição sonora na linha de descolagem e aterragem, até à poluição química ambiental, sem ignorar os riscos acrescidos. Mas também porque a projecção de um peso maior do transporte aéreo exigia uma infraestrutura que pudesse crescer, ter duas ou mesmo quatro pistas paralelas, ter maior espaço para estacionamento, para a Manutenção TAP, para os terminais de mercadorias, ter uma ligação ferroviária de passageiros e mercadorias à rede nacional, etc. Mais à frente, a própria TAP veio a constatar que crescendo, a sua operação exigia um hub com espaço e condições.

Sublinhe-se que foi exactamente esta a opção tomada em todas as grandes cidades europeias. Como parece natural. Não se deve pois estranhar que governos tão diferentes, como o Governo de Marcelo Caetano e o Governo Provisório encabeçado por Vasco Gonçalves tenham colocado a construção do NAL como uma prioridade.

Depois vieram os governos da contra-revolução e da entrada na União Europeia. Que por diversas razões não queriam de facto avançar para a construção do NAL. Por miopia (o NAL não seria essencial nos próximos quatro anos, certo?) e por submissão à UE (cuja prioridade era destruir a TAP e o sector aéreo nacional para aumentar a dependência estratégica do país). E por isso tanto enrolaram o passo seguinte, que era encontrar uma localização para o Aeroporto.

Até que a realidade se começou a impor. Já neste século, o Aeroporto do Portela começa a rebentar pelas costuras, o crescimento da operação (em Portugal e no mundo) é permanente, e é preciso acelerar a tomada de decisões. O PS sempre fora mais adepto da construção do NAL na OTA, decisão que chega a ser tomada, e são Cavaco Silva e a CIP que lançam um abaixo-assinado a exigir que sejam estudadas outras localizações. O estudo é decidido e realizado pelo prestigiado LNEC e aponta como melhor solução a construção do NAL nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete. A decisão é tomada em Conselho de Ministros, o estudo de impacto ambiental viabiliza a solução, e parece que finalmente vai avançar a construção do NAL.

Só que entretanto, estamos em 2011 e é assinado o Pacto entre as troikas (PS/PSD/CDS e UE/BCE/FMI), que aponta para o adiar da construção do NAL e para a privatização da ANA. A coberto deste pacto o Governo PSD/CDS vai realizar uma das mais criminosas operações de privatização: primeiro vai vender à ANA pública o contrato de concessão aeroportuária por quase dois mil milhões de euros, o que tratando-se de uma operação entre duas entidades públicas foi pouco auditado, e depois vai vender a ANA por 1,2 mil milhões, dizendo ao povo português duas mentiras: (1) que vendera a ANA por três mil milhões e que (2) o comprador se comprometia a construir o NAL. Mentiras que foram denunciadas logo na altura, nomeadamente pelos trabalhadores da ANA e pelo PCP, mas que contaram com o silenciamento cúmplice da generalidade da Comunicação Social Dominada.

Com a privatização tudo fica colocado em causa. A multinacional Vinci que comprou a ANA não tem qualquer interesse em deixar de explorar o Aeroporto da Portela: está construído, tem Metro à porta colocando um passageiro em 10 minutos no centro da cidade ou em um de centenas de hotéis. A multinacional vai travar o investimento aeroportuário (cairá para metade nos primeiros 10 anos de gestão privada face aos últimos 10 de gestão pública), aumentar preços e rendas (as taxas aeroportuárias em Lisboa chegam a crescer 250%) e mercantilizar todo o Aeroporto. E vai avançar com uma proposta alternativa que lhe garante os melhores lucros: manter o Aeroporto da Portela, alargando-o ao Figo Maduro, e construir um pequeno Aeroporto no Montijo, para o qual receberia a BA6, que serviria como um Terminal 3 para low-costs.

A privatização colocou o futuro do NAL a ser decidido pela Vinci, ou seja, pela melhor solução para aumentar os ganhos dos accionistas da Vinci. E a melhor solução para os accionistas da Vinci é manter o Aeroporto dentro da Cidade de Lisboa e construir um segundo mais pequeno.

Sublinhe-se que é normal que os accionistas da Vinci desejem a solução Portela+seja lá o que for. O que não é normal, nem aceitável, é que quer o Governo PSD/CDS quer o Governo PS tenham cedido a estas pretensões. Como não é normal que ambos tenham mudado uma lei da República reduzindo os poderes das autarquias só porque houve autarquias que se recusaram a apoiar a solução Portela+Montijo. Como não é normal que Pedro Nuno dos Santos tenha chamado toda a gente de idiota aprovando a estrambólica decisão de fazer agora o Aeroporto no Montijo, depois a 1ª fase de Alcochete, encerrando então o Montijo, e depois encerrando a Portela quando a 2ª fase de Alcochete estivesse pronta, que só pode ser entendida como a tentativa de construir o Portela+Montijo fingindo estar a fazer outra coisa (e se não acreditam que foi esta a decisão, leiam o despacho que está na Internet). Como não é normal que depois de uma Comissão Técnica Independente (CTI) que o PSD exigiu, negociou e aceitou, no próprio dia da divulgação dos resultados da mesma, o PSD tenha dito que ia criar um outro grupo para estudar a coisa mas que a melhor solução era a que a multinacional desejava e não a que a CTI acabava de propor.

Tudo piruetas para justificar o injustificável. É que na realidade, o que não é normal é entregar uma infraestrutura estratégica como a rede aeroportuária aos interesses de uma multinacional.

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