Voz

Memória

90 anos da greve de 18 de janeiro: uma revolta antifascista

Acácio Tomás de Aquino, dirigente da CGT.

Salazar teve medo, naquela noite.

Foi para o quartel do exército que funcionava onde hoje está a Universidade Nova de Lisboa, em Campolide. E só de lá saiu às 9 da manhã.

Ele e quase todos os seus ministros.

Isto segundo as informações veiculadas pelo próprio regime [Diário de Notícias, 19/01/1934, p.2].

Armas

Para a cidade de Lisboa, foi uma noite de ministros no quartel e tropas na rua. 

“Passavam poucos minutos da meia noite”, já “forças de Polícia começavam a concentrar-se nas esquadras” e “guardas tomaram as embocaduras do Rossio. As imediações do Governo Civil foram por igual ocupadas”.

Por sua vez, “os espectáculos teatrais, ainda a funcionar, terminaram apressadamente, por ordem da polícia”.

Quanto a “cafés, restaurantes, casas de pasto, clubs e outros recintos de diversões foram intimados a encerrar” à 1 da manhã.

No histórico Café Nicola, no Rossio, “entraram alguns guardas da PSP, armados de carabinas, que, juntamente” com agentes da «PIDE», “revistaram todos os fregueses”.

Também entraram em ação “destacamentos do Exército e da Marinha”, com “rigorosa vigilância em torno dos quartéis”.

Nos bairros considerados como “centros operários” foram colocadas sentinelas a cavalo e “postos com metralhadoras”.

Estas movimentações terão sido “sobretudo notórias nas imediações das fábricas […] das estações dos «eléctricos» e dos caminhos de ferro”. Mas “também esteve rigorosamente vigiado o Secretariado da Propaganda e a sede da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado” [D.N., 19/01/1934, p.2].

Hitler

Salazar estava a dar um passo fulcral na transformação da ditadura militar num regime de tipo fascista: a dissolução forçada dos antigos sindicatos livres.

Adolf Hitler tinha feito o mesmo na Alemanha, uns meses antes. 

Salazar ia substituí-los pelos chamados “sindicatos nacionais”, controlados pelo governo. Seguindo nesta matéria o modelo fascista italiano que tinha sido estabelecido por Mussolini, em 1927, com a “Carta del Lavoro”.

Divisões

Segundo dados oficiais, apenas 7% dos antigos sindicatos aceitaram submeter-se à ‘nova ordem’ [Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e da Previdência, 16/04/1934, p.2].

E nessa minoria há que distinguir os que, longe de apoiar a ditadura, apenas buscavam manter uma ação coletiva na legalidade. Foi o caso, por exemplo, dos operários tabaqueiros de Lisboa, que estavam num processo negocial sobre pensões de reforma.

Não obstante, naquela noite, e depois durante o dia – 18 de Janeiro de 1934, a ditadura não teve dificuldade em sufocar uma tentativa de greve geral.

A classe trabalhadora estava desmobilizada e não aderiu, com excepção de alguns focos, como Almada, Barreiro e Marinha Grande.

A revolta partiu de um movimento sindical que já estava muito enfraquecido e dividido. As diferentes correntes envolvidas (anarquistas, comunistas, socialistas e “autónomos”) não conseguiram concretizar uma estratégia comum.

Além disso, a «PIDE» antecipou-se. E travou a preparação da greve ao prender vários dos seus principais organizadores, como Acácio Tomás de Aquino, José Francisco e Mário Castelhano (dirigentes da CGT).

Ao todo, segundo contabilizou a historiadora Fátima Patriarca, cerca de 700 pessoas foram presas em ligação com esta tentativa de greve. E algumas delas já não saíram com vida das mãos da «PIDE» – como foi o caso de Mário Castelhano.

Fascismo

O 18 de Janeiro tornou-se um marco na história da resistência ao fascismo em Portugal.

E corresponde ao quadro teórico traçado pelo marxista austríaco Otto Bauer. Este salientava que o triunfo do fascismo ocorre depois de a classe trabalhadora já estar “enfraquecida e forçada à defensiva”.

Para Bauer, a ditadura fascista tem o objetivo de “destruir” os sindicatos e o “poder político” dos trabalhadores, num contexto de crise económica. Como forma de impedir a sua resistência a medidas que incidam o custo da crise sobre os trabalhadores, para proteger os lucros da burguesia [Beetham (1984), Marxists in face of fascism, pp.294/5].

A Voz do Operário

A Voz do Operário não passou incólume por estes acontecimentos.

Desde logo pelas ligações pessoais: o sindicalista Mário Castelhano era marido de uma professora desta coletividade. E entre os presos políticos do 18 de Janeiro esteve o sindicalista Júlio Luís, que até poucos meses antes, tinha sido o presidente da assembleia geral.

Segundo o testemunho de Manuel Rijo, dirigente da CGT, a sede de A Voz do Operário foi um ponto de distribuição de propaganda à greve geral [Aquino et al. (1984), O 18 de janeiro de 1934 e alguns antecedentes, p.126].

Há que contar também as três escolas de A Voz do Operário que foram encerradas pela ditadura porque funcionavam nas sedes de sindicatos dissolvidos: dos operários da construção civil e dos metalúrgicos, em Lisboa; e dos tanoeiros, em Almada.

E não devem ser esquecidas as duas mudanças que a “Direção dos Serviços de Censura” então impôs no cabeçalho deste jornal.

A Voz do Operário nasceu no seio de um sindicato de operários da indústria de tabaco, para dar voz às suas lutas. E desde o primeiro número, em 1879, que se apresentava como “órgão dos manipuladores de tabaco”.

Em 1907, fora acrescentado “e do operariado em geral”.

Pois a partir de 1934 teve que ficar nítida a separação entre A Voz do Operário e qualquer sindicato, mesmo “nacional”. Este jornal passou então a só poder dizer que tinha sido “fundado pelos manipuladores de tabaco”. E foi ainda identificado como “órgão privativo” da sociedade A Voz do Operário.

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