Em 1879, oito anos depois da formação do primeiro governo operário da história na Comuna de Paris, que este ano celebra 150 anos, as mulheres e os homens que defendiam os mesmos princípios e suavam em Lisboa por meia dúzia de tostões na indústria tabaqueira decidiram fazer este jornal e chamar-lhe A Voz do Operário.
Como afirmou o sindicalista José Gregório de Almeida, em 1938, A Voz do Operário nasceu “da luta dos trabalhadores das fábricas de tabaco” face ao seu “esmagamento moral e material”, num tempo em que este era um dos setores operários mais “desgraçados”. Porque a imprensa generalista não lhes dava voz, um grupo de trabalhadores mais conscientes percebeu a importância de terem o seu próprio jornal.
A exigência financeira que implicava a manutenção desta publicação levou a que os operários tabaqueiros procurassem formas de sobrevivência para o projeto. É assim que, a 13 de fevereiro de 1883, nasce a Sociedade Cooperativa A Voz do Operário em cujos estatutos se escreveu ser objeto desta associação “sustentar a publicação do periódico A Voz do Operário, órgão dos manipuladores de tabaco, desligado de qualquer partido ou grupo político”; “estudar o modo de resolver o grandioso problema do trabalho, procurando por todos os meios legais melhorar as condições deste, debaixo dos pontos de vista económico, moral e higiénico”; “estabelecer escolas, gabinete de leitura, caixa económica e tudo quanto, em harmonia com a índole das sociedades desta natureza, e com as circunstâncias do cofre, possa concorrer para a instrução e bem-estar da classe trabalhadora em geral e dos sócios em particular”. Para tanto, os 316 sócios da altura comprometiam-se a pagar uma quota semanal de vinte réis, quantia que retiravam dos seus humildes salários.
Com o objetivo de instruir os operários e os seus filhos, A Voz do Operária encetava um caminho do qual nunca se desligou e pelo qual é amplamente reconhecido. Hoje, A Voz do Operário mantém viva a ligação à cidade de Lisboa e à população. Ao longo da história, a instituição que foi erguida com o esforço coletivo dos trabalhadores nunca abandonou as raízes.
Da instituição que atravessou três séculos, fizeram parte mulheres e homens que combateram a monarquia, que defenderam os sindicatos na convulsão social durante a República, que resistiram ao fascismo e pagaram com a prisão, que levantaram a bandeira da revolução de Abril e que lutam, hoje, por uma sociedade mais justa, sem exploradores nem explorados.
Hoje, é um projeto de raízes sólidas, reconhecido publicamente, que se mantém fiel aos seus valores iniciais e que assenta a sua atividade no ensino através de um modelo pedagógico alternativo em sete diferentes espaços educativos localizados na Graça, Ajuda, Restelo, Baixa da Banheira, Lavradio e Laranjeiro. A instituição desenvolve diferentes serviços de apoio social através do seu refeitório, do serviço de apoio domiciliário e do seu centro de convívio. Simultaneamente, a profusão de atividades desportivas e culturais faz parte da vida d’A Voz do Operário desde o seu nascimento.
O cabeleireiro social e o balneário são outras das valências da instituição que estão disponíveis à comunidade. Entrar n’A Voz do Operário é, em tempos normais, assistir a um corropio de gente que entra e sai para inúmeras atividades. Seja para um ensaio de gaita de foles, para um jogo de futsal ou uma peça de teatro e as pessoas que dão corpo a este projeto são o coração d’A Voz.
Como parte integrante do movimento associativo, a instituição faz parte da Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa, da Federação das Coletividades do Distrito de Lisboa e da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto.
A Voz do Operário caminha de pés bem assentes no chão do presente, de olhos postos no futuro, sem nunca esquecer o seu passado. Hoje, como ontem, há muitas e boas razões para abraçar este projeto e fazer parte de um imenso coletivo de mulheres e homens determinados a continuar a semear um porvir de justiça social e progresso.
Festa adiada
A celebração do 138º aniversário d’A Voz do Operário não será possível nas atuais circunstâncias mas está previsto que ela seja realizada logo que possível. Recordar a história de olhos postos no futuro é um dever de todos aqueles que herdam das gerações anteriores o percurso de luta e construção de uma instituição ímpar.
Novos órgãos tomaram posse
Devido às circunstâncias sanitárias que marcam a atualidade, a tomada de posse dos órgãos escolhidos pelos associados da instituição no final de 2020 realizou-se de forma condicionada através de meios telemáticos. A lista eleita que agora assumiu a direção d’A Voz do Operário assume um mandato que se espera de continuidade e reforço da atividade da instituição.
Em entrevista, o reeleito presidente da mesa da Assembleia-Geral, Libério Domingues, afirmava em dezembro que o mandato que agora começa significa a “continuidade de um trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por esta equipa, com um ou outro reforço, no sentido da renovação”.
Nesse sentido, o também sindicalista referia o ensino como “uma das principais marcas d’A Voz do Operário” e que o objetivo será manter o “processo em constante evolução, aperfeiçoamento, moderno”. Já no plano associativo, Libério Domingues destacou a importância da instituição no contexto de pandemia. Desde logo a partir da sua ligação à comunidade, à população e ao movimento sindical, rompendo distâncias e garantindo a ligação aos mais desfavorecidos das zonas onde tem espaços.
Durante a pandemia, a instituição tem continuado a garantir refeições e cuidados através do serviço de apoio domiciliário.