No hemisfério norte-ocidental, o ritual repete-se todos os anos em setembro. Os nossos espaços educativos da Voz do Operário cumpriram-no. Ainda que, em tempos normais, os pais e as mães têm a oportunidade de acompanhar de perto o projeto de aprendizagem dos seus educandos, há aquele primeiro dia.

Porque “abrir” o ano letivo? Para assinalar o projeto político que é a escola. 

A partir de certa idade as crianças são obrigadas a percorrer um currículo. Frequentemente ainda antes são obrigadas à escola. As sociedades baseadas na venda do trabalho, não deixam muitas opções para os progenitores quando é para cuidar da prole.

A criação da escola e a escolaridade obrigatória associada foi sempre uma decisão política. Conhecemos as histórias dos antigos filósofos, mais tarde dos teólogos. Escravizados ou livres, eram preceptores das crianças de famílias abastadas para que contactem com o conhecimento e o saber disponível. Simultaneamente surgiam locais menores de instrução para as restantes crianças. 

Também era assim no século XV. Enquanto os filhos de nobres e patrícios acediam ao conhecimento autorizado, havia espaços de instrução para outros. Mestres-escola pouco letrados tinham duas tarefas: incutir bons modos e obediência, e cuidar da educação religiosa. Na Europa dividida entre cristãos católicos e reformadores, a fé era assunto de vida e morte. E o Poder secular bem como o religioso, seja católico, seja reformador, tinha na escola o meio para controlar a população nas questões de fé e moral.

O que se praticava nas escolas era de tão baixo nível que o teólogo Erasmo questionava abertamente o ensino administrado na pequena escola, tão mais pobre do que no seminário. Para escolas serem mais do que meros locais de castigo tinham que ter qualidade. Mestres-escola deveriam ter conhecimento das coisas da natureza e da natureza humana. Toda a escola deveria ser pública e certamente não era pública se não aceitasse todo o público. Nessas escolas os mestres acompanhariam a aprendizagem dos alunos, oferecendo nec multa sed optima, não demasiadas coisas, mas sempre da melhor maneira, dizia ele. Muitos dos escritos do cónego humanista, tolerante com os cristãos não católicos, mas não com a religião judaica, foram colocados no índice de livros proibidos da Igreja Católica donec corrigatur, até estarem certos. E a sua influência notara-se em Colégios Superiores, como o Colégio Trilingue da Universidade de Lovaina, mas não muito nas escolas das crianças.

Em meados do século XVII, Ian Amos Comenius constatava-o mais uma vez: as pequenas escolas que reuniam crianças dos 4 aos 10 anos mal as levavam a soletrar. Muitas nem sequer chegavam a ler, ficando pela recitação dos textos edificantes que lhes eram impostos. Comenius defendeu uma reorganização da escola, com abordagem faseada ao conhecimento. Seis anos de escola materna, seis de escola na língua vernácula, seis na língua da ciência. Assim, garantiria Omnis Omnia Omino. Todos seriam profundamente familiarizados com tudo. Comenius produziu livros bilingues e ilustrados para crianças e jovens: O Universo Explicado em texto e imagem. Era bispo protestante. O conhecimento descrito não incluía as teses de Copérnico ou Galileu. Mas os livros eram bem mais informativos do que os pequenos e entediantes abecedários promovidos pelo Poder eclesiástico, tanto nas escolas católicas como protestantes. Contudo, durante muito tempo os seus livros foram mais utilizadas nas colónias de potências europeias protestantes do que na Europa.

Hoje o currículo, ao qual o Poder e a escolaridade obrigam, abrange melhor o conhecimento do que há 400 anos. Mas não é ideal. Vejamos só como a História tem as suas versões específicas em cada Estado ou Nação. 

Hoje fala-se também da escola que dá voz ao aluno. Muitas escolas pretendem que o aluno dê voz ao que o adulto deseja. Algumas outras, como a Voz do Operário, assentam o seu projeto educativo na aprendizagem dialogada. As crianças têm voz para co-construir criticamente o seu currículo com os adultos que as acompanham nec multa sed optima

A escola é um projeto político da sociedade na qual ela se insere. A história mostra que o acesso ao conhecimento não é dado. É conquistado.

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