Voz

Memória

Gneco, um correspondente de Engels nos primórdios de A Voz do Operário

A Voz do Operário está especialmente ligada à difusão do marxismo em Portugal, desde o século XIX. Logo na sua primeira década de existência, publicou uma parte de Miséria da Filosofia de Marx (com tradução de Heliodoro Salgado) e o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels (traduzido por José Nobre França).

Passaram agora, no dia 29 de Junho, 110 anos que faleceu um dos raros correspondentes de Engels em Portugal. Seu nome era Eudóxio César Azedo Gneco.

Pois ele não só colaborou ocasionalmente neste jornal, nos anos 1880 e 1890, como esteve entre os sócios fundadores da sociedade A Voz do Operário. Participou aliás no debate de ideias que definiu os seus primeiros estatutos, bem como na assembleia geral que elegeu os primeiros corpos sociais, em 1883. Ele próprio foi nessa altura eleito para uma comissão de propaganda de A Voz do Operário, por proposta de Custódio Braz Pacheco [A Voz do Operário, 11/03/1883, p.3].

Sindicalismo

Azedo Gneco nasceu em 1849, em Samora Correia. Segundo o seu biógrafo César Nogueira, ele era um jovem membro da Maçonaria quando, sob o impacto da Comuna de Paris, se envolveu nas lutas operárias. Filiou-se na Primeira Internacional e salientou-se no primeiro embrião de central sindical em Portugal, a “Associação de Resistência Fraternidade Operária”, fundada em 1872. Foi depois um dinamizador de novas estruturas confederativas sindicais, como a “Associação dos Trabalhadores na Região Portuguesa”, criada em 1873, e a “Confederação Nacional das Associações de Classe”, em 1894 [César Nogueira (1934), Esboço biográfico de Azedo Gnecco, pp. 8/10].

Gneco é usualmente mais referido como “líder histórico” do antigo Partido Socialista Português, do qual foi um dos principais fundadores, em 1875. Mas aqui mesmo, na A Voz do Operário, ele expressou de forma clara que a sua prioridade seria o trabalho sindical. Afirmou ele que “todos os esforços para a organização da classe trabalhadora são louváveis e meritórios; mas, quanto a nós, os mais subidos serão aqueles que juntarem os operários em associações de classe, federadas nacionalmente, e confederadas umas com as outras” [V.O., 15/04/1883, p.3].

“Associação de classe” era a expressão que na altura se usava em Portugal para designar sindicato, e que ficaria consagrada na primeira lei sindical, em 1891.

No mesmo artigo, Gneco sublinhou a importância da fraternidade que deve existir entre trabalhadores de diferentes sectores, apelando à “compreensão de que de que será da liga dos esforços de todas as classes operárias que sairá a força de cada uma”[ibidem].

Bento Gonçalves

Bento Gonçalves era de outra geração. Já nasceu no século XX. Tinha 9 anos quando Gneco faleceu. E era muito crítico do velho Partido Socialista Português, a seu ver demasiado reformista. Mas, ao referir-se à história do movimento operário em Portugal no século XIX, destacou que Gneco “foi, a partir de certa altura, a figura mais saliente, o socialista mais capacitado, o que mais se aproximava das ideias de Marx, postas em marcha através dos princípios da Primeira Internacional”. E apontou ainda “a perseverança deste militante, o seu entusiasmo, a sua experiência” [Bento Gonçalves (1974), Palavras Necessárias, p. 14].

A “aproximação” de Gneco às ideias de Marx não ficou apenas dentro das fronteiras de Portugal: ele foi delegado ao congresso de 1896 da Segunda Internacional, em Londres. E aí integrou a corrente marxista numa decisão marcante: a separação e exclusão da corrente anarquista [El Socialista, 07/08/1896, p.1].

Quando Marx morreu, em 1883, foi Gneco o orador principal na sessão de homenagem fúnebre que se realizou em Lisboa, por iniciativa da Associação dos Trabalhadores na Região Portuguesa [V.O., 22/04/1883, p.3].

O funeral

Em 1911, o funeral de Azedo Gneco saiu da sede de uma união de sindicatos, a Federação das Associações Operárias de Lisboa.

O cortejo fúnebre reuniu mais de duas mil pessoas e foi encabeçado pelo sindicalista Joaquim Ferreira Batista (operário alfaiate) que seria mais tarde, e durante muitos anos, o 1º secretário da assembleia-geral da sociedade A Voz do Operário.

Foi um cortejo engalanado sobretudo com bandeiras de sindicatos: dos manipuladores de pão, dos canteiros e caboqueiros, dos mecânicos em madeira, dos operários sapateiros, dos construtores de macadam, dos jardineiros, dos calceteiros, dos curtidores de solas e cabedais, dos latoeiros de folha branca, dos condutores de carroças, dos mecânicos de açúcar, dos operários das cervejas e gasosas e das operárias costureiras e ajuntadeiras.

Vários outros sindicatos se fizeram representar. O corpo de Azedo Gneco foi levado numa carreta da Associação do Registo Civil e do Livre Pensamento, à qual foi acrescentado um dístico com a célebre frase final do Manifesto do Partido Comunista“Proletários de todo o mundo, uni-vos!”

Entre os dez oradores no funeral, esteve o então redactor d’A Voz do Operário, José Fernandes Alves [V. O., 09/07/1911, p.1].

Um poema

Na mesma edição, o nosso jornal publicou um poema de homenagem, com autoria do militante socialista e sindical Avelino de Sousa, grande referência do fado operário.

Aqui ficou Azedo Gneco recordado como um “audaz continuador” de Marx, que “em quarenta anos foi o cérebro maior das lutas sociais em todo o Portugal” [V. O., 09/07/1911, p.2].

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