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Memória

Manuel Joaquim de Sousa, secretário-geral da CGT

Foi o secretário-geral da CGT no seu apogeu, entre 1919 e 1922. Fez parte do naipe notável de militantes que assumiram esse posto, com José Santos Arranha, Manuel da Silva Campos e Mário Castelhano.

Passam este mês 140 anos do nascimento de uma figura cimeira na história do sindicalismo em Portugal: Manuel Joaquim de Sousa.

Foi o secretário-geral da CGT no seu apogeu, entre 1919 e 1922. Fez parte do naipe notável de militantes que assumiram esse posto, com José Santos Arranha, Manuel da Silva Campos e Mário Castelhano.

Ainda nesse período, dirigiu o jornal A Batalha.

Sapateiro

Manuel Joaquim de Sousa nasceu a 24 de novembro de 1883, num bairro periférico da cidade do Porto. Filho de analfabetos, como a grande maioria dos portugueses de então.

Seu pai era um sapateiro, oriundo de uma aldeia da Serra da Estrela. A mãe era ”distribuidora de pão pelas manhãs e dobadora de algodão pelas noites fora”, além dos “labores caseiros”. E provinha do interior rural do distrito do Porto.

Por sua vez, o futuro líder da CGT só fez o 2º ano de escolaridade. Tornou-se trabalhador assalariado quando era criança. Depois de ter sido aprendiz de alfaiate e de torneiro, aos 12 anos de idade abraçou o ofício de sapateiro.

Outra nota da sua infância foi ter um irmão mais velho a ser preso político, por atividade sindical, sob o regime da monarquia ‘liberal’.

Anarquismo

Manuel Joaquim de Sousa abraçou em jovem o ideal anarquista. E até ao fim da vida permaneceu fiel às suas convicções.

A nível sindical, salientou-se logo a seguir à implantação da república, em 1910, no «Comité de Propaganda Sindicalista do Porto». E daí seguiu um percurso de organizador e porta-voz da classe trabalhadora.

Foi secretário-geral da «União Geral dos Trabalhadores da Região Norte» e da secção norte da «União Operária Nacional». Antes de se radicar em Lisboa e de assumir a liderança nacional da «Confederação Geral do Trabalho» (CGT), em 1919.

Enquanto sindicalista, Manuel Joaquim de Sousa dedicou-se a questões laborais como salários e horário de trabalho. Mas também se consagrou a outras causas, com especial ênfase para a defesa da paz.

No contexto europeu, ele fez parte da minoria de dirigentes operários que souberam manter os princípios de solidariedade internacionalista perante a carnificina da 1ª Guerra Mundial (1914-18).

Enquanto tantos outros se renderam à influência dos nacionalismos, manipulados por diversos governos para alimentar o conflito.

Foi inclusivamente preso e expulso de Espanha, em 1915, pelo ‘delito’ de participar numa conferência internacional pela paz. Numa das várias vezes que ele foi preso político, sob diferentes regimes, em Portugal e em Espanha.

Voltou a ser encarcerado no país vizinho, em 1923. Numa das ocasiões que ali se deslocou para contactos com os seus homólogos da central sindical CNT (Confederação Nacional do Trabalho).

Antifascismo

Manuel Joaquim de Sousa esteve no centro das discórdias que dividiram o movimento sindical português, nos anos 1920. Entre as correntes anarquista e comunista, e no seio da corrente anarquista.

Mas, por outro lado, empenhou-se na defesa da independência de classe do movimento sindical. E bateu-se pela liberdade.

Esteve na resistência antifascista desde a primeira hora. Foi um dos oradores no comício operário contra a ditadura que ainda foi possível realizar, em Lisboa, dias depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926.

Regressou à direção da CGT na clandestinidade, depois dessa central sindical ter sido ilegalizada, em 1927. E foi um impulsionador do movimento anarquista clandestino.

A Voz do Operário

Em Outubro de 1919, o jornal A Voz do Operário festejou 40 anos.

E deve ter sido, até hoje, o seu aniversário mais radical.

A 1ª guerra mundial tinha deixado quase toda a Europa numa profunda crise social. E a Revolução Russa abalava o mundo. 

Por cá, tinham soçobrado a ditadura de Sidónio Pais e a breve restauração da monarquia no Norte.

No movimento operário e sindical, os ânimos estavam ao rubro. Nesse festejo de A Voz do Operário, um dos oradores foi Júlio Caixinhas, da União de Sindicatos Operários de Lisboa. E ele não fez a coisa por menos: defendeu “que dentro em breve o povo trabalhador se lance na rua, de armas em punho, a fim de destruir por completo a sociedade burguesa”.

Por sua vez, José Augusto Machado, do Partido Socialista, falou “entusiasticamente sobre a Revolução Social Russa”. E “no fim do seu discurso, foram erguidas delirantes aclamações à Revolução Russa e à emancipação dos trabalhadores”.

Manuel Joaquim de Sousa já era o secretário-geral da CGT e usou da palavra em nome do jornal A Batalha. Afirmou que estavam “prestes a desaparecer os privilégios e desigualdades sociais” [«A Batalha», 13.10.1919, p.2].

Esta retórica refletia o contexto internacional, no qual brotaram mesmo situações revolucionárias anticapitalistas em diferentes países, como Alemanha, Hungria ou Itália.

Bairro da Graça

Em Lisboa, Manuel Joaquim de Sousa morou aqui perto de A Voz do Operário, na «Vila Cândida». Na década de 1930, dinamizou um grupo anarquista clandestino do bairro da Graça.

Mas, além de ter sido preso, a saúde faltou-lhe cedo. Faleceu com apenas 61 anos de idade, em 27 de fevereiro de 1945.

A Voz do Operário fez-se representar no seu funeral pelo presidente da assembleia geral, Alberto Monteiro.Também ele um antigo sindicalista e ex-preso político antifascista.

Além de inúmeros artigos de imprensa, Manuel Joaquim de Sousa escreveu alguns livros, como «Sindicalismo e Ação direta» (1911); «O sindicalismo em Portugal» (1931) e «Os últimos tempos de ação sindical livre e do anarquismo militante» (este último só foi publicado depois do 25 de Abril).

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