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Há 143 anos que esta voz não se cala!

Não é fácil contar a história de um jornal que comemora, este outubro, 143 anos, que nasceu animado pelo melhor espírito da Comuna de Paris e enfrentou duplamente as restrições da censura, institucional e cultural. O Jornal que nasceu para dar voz a trabalhadores discriminados pela imprensa de então, 143 anos depois, não cala a injustiça social, o protesto, dá palco ao debate, denuncia a discriminação das mulheres, noticia as lutas sindicais, dá espaço ás coletividades, fala do desporto popular, não deixa de fora a cultura alternativa, denuncia a agressão racista, em suma, dá voz a todos porque, a luta pelas condições de vida continua, 143 anos depois, na sombra da notícia.

Um dos primeiros números d’A Voz do Operário.

Quando há 143 anos, a 11 de outubro de 1879, os operários da Indústria Tabaqueira decidiram fundar um jornal que desse voz às preocupações de trabalhadores que viviam e lutavam pela melhoria das suas condições de vida, reagiam à recusa de publicação de uma notícia que denunciava as condições de vida dos trabalhadores da indústria tabaqueira.

Este impulso manifestado pelo operário tabaqueiro Custódio Gomes, que visava dar dignidade noticiosa a um conjunto de trabalhadores que viviam uma onda de desemprego que agrava as já difíceis condições de vida, encerra um outro nobre propósito: “Hei de propor que se publique um periódico, que nos defenda a todos, e mesmo aos companheiros de outras classes”, disse Custódio Gomes. A solidariedade entre trabalhadores, que ficam fora da grelha noticiosa dos jornais que, desde o início deste século nascem e morrem debaixo de uma prática censória, mais acintosa no caso das classes trabalhadoras. O historiador Joel Serrão considera, a propósito da natureza editorial das publicações deste período que «A imprensa da época é, em primeiro lugar política, em segundo lugar, literária e só acidentalmente noticiosa dos acontecimentos da vida quotidiana».

Mesmo depois da publicação, em 1834, da primeira Lei da Imprensa, não deixou de se fazer sentir, de resto os níveis de analfabetismo rondavam os 90% e pouco tempo depois, a 3 de agosto de 1850, surge a chamada “Lei da Rolha”, tal era o teor das restrições à liberdade de imprensa. É este o ambiente que precede o aparecimento deste jornal que nasce no Beco do Frois (hoje rua Norberto de Araújo), ao Menino de Deus, em Lisboa, a 11 de Outubro de 1879, o jornal A Voz do Operário, pela mão de um outro operário tabaqueiro, Custódio Braz Pacheco. E, como se disse, além da necessidade de denúncia das condições de vida dos trabalhadores da indústria tabaqueira, tinha esse espírito solidário que, de resto se manteve até os dias de hoje, ultrapassando longos períodos de censura feroz, como por exemplo entre 1926 e 1974, sem desvirtuar o espírito que esteve presenta na sua primeira edição.

“O Jornal mantém a sua edição ininterrupta desde o primeiro número, sendo o mais antigo periódico operário em publicação, constituindo um elemento muito relevante para a história do movimento social em Portugal. É importante lembrar que o Jornal precede a Associação Voz do Operário. É, pois, o jornal que gera a Associação. Um jornal que surge da luta dos trabalhadores e que se mantém comprometido com essa luta dos trabalhadores, que sendo na sua origem um espaço de liberdade, sempre tomou partido pela emancipação dos trabalhadores. Infelizmente, hoje em dia a exploração continua a ser um facto, assim como a apropriação da riqueza do trabalho. Também nos dias de hoje o governo anuncia o aumento do PIB, isto é, da riqueza produzida no país e, simultaneamente, sabemos que a grande maioria da população vai ver reduzido o seu rendimento, com aumentos salariais muito aquém da inflação. Assistimos, mais uma vez, a um grande reforço das desigualdades no país e essa é uma questão que o jornal, fiel à sua origem, não pode esquecer. É um jornal pluralista, mas que está sempre ao lado dos explorados no combate à exploração. Nascido da luta dos operários, para dar voz aos que a não tinham, o Jornal cumpre os desígnios dos seus fundadores, mantendo-se irredutível na defesa dos justos interesses dos trabalhadores, constituindo um espaço onde as suas aspirações, reivindicações e lutas continuam a ter um profundo eco.”

Manuel Figueiredo, Presidente da direção da SIB A Voz do Operário

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