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Indignação face às comemorações do 25 de Novembro em Lisboa

Autor: Arno Mikkor

No dia 5 de Outubro deste ano, a população de Lisboa foi surpreendida com o anúncio, por parte do actual presidente da câmara, Carlos Moedas, das comemorações do dia 25 de Novembro de 1975: “Para além da data histórica do 25 de Abril festejaremos com uma grande iniciativa o 25 de Novembro”. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), sem fazer uma consulta prévia aos munícipes e seus representantes na Assembleia Municipal, decide fazer esta comemoração, equiparando-a no seu discurso ao dia em que Portugal saiu de quase 50 anos de um regime ditatorial. 

Na quarta-feira seguinte ao anúncio, a Assembleia Municipal, aprovou um voto de condenação, proposto pelo PCP, relativamente a esta iniciativa própria do edil. Apenas os partidos que estão em coligação à frente da câmara votaram contra. 

Entretanto, por toda a cidade, foram sendo instalados cartazes – pagos por todos os contribuintes – ocupando espaço público, anunciando esta comemoração. 

Friso que esta é uma proposta de dois partidos, que exclui todos os que neles não votaram, representados por outros cidadãos que, em assembleia, votaram contra tal ideia. 

Surpresa maior acontece quando, na véspera de tal acontecimento, vejo a ser colocado, numa biblioteca pública, aliás a maior da cidade, municipal, pertencente a todos os cidadãos, – a Biblioteca Palácio das Galveias – um enorme cartaz comemorativo dessa data. Tentando perceber o motivo, foi-me dito que ia acontecer uma conferência no dia 25 de Novembro, sábado, pelas 15 horas. Esta conferência, a que deram o nome de “Democracia e Liberdade: Cumprir Abril em Novembro”, acontece, ironicamente, na sala principal da biblioteca, a Sala José Saramago. A Sala José Saramago faz parte de um espaço público. A Biblioteca das Galveias só abre aos sábados entre as 13 e as 19 horas, para os cidadãos puderem usufruir desse mesmo espaço público. São poucas as bibliotecas que têm um período fora dos dias úteis em Lisboa (sendo que este alterna, e só em algumas dessas mesmas bibliotecas). 

Fazendo uma pesquisa na internet, percebemos que existe todo um programa preparado pela CML para estas comemorações, programa este que inclui uma exposição, na Praça do Município, intitulada “25 N – A História que não te contaram”.   

A história que a edilidade não nos conta é que, sob a voz do seu presidente, está a ocupar um espaço que é público, de interesse colectivo e popular, em prol de interesses partidários e ideológicos. No fundo, trata-se de propaganda política, uma vez que a decisão foi apenas aprovada pelos dois partidos que estão a gerir o município de Lisboa. O presidente da CML representa todos os cidadãos de Lisboa, e não apenas alguns. É isso a democracia.  

Querer equipar essa data ao 25 de Abril de 1974 é enviesado e de mau gosto, em termos históricos, sociais e humanos. Um ultraje ao país que viveu sob a alçada de um Estado Novo que obliterou a Liberdade do seu povo. Existia uma democracia em Portugal no dia 25 de Novembro de 1975. Portugal estava em democracia nesse dia, vivendo um Processo Revolucionário Em Curso (PREC). A liberdade de expressão advogada por muitos para que aconteça esta comemoração serve para fazer escamotear o papel do dia em que o nosso país saiu de anos de escuridão e fascismo. Reitero: o presidente Carlos Moedas não foi democrático ao deliberar esta comemoração – uma decisão unilateral, e sem aprovação da maioria dos partidos com assento na Assembleia Municipal.

Em tempos de fraca memória e obscurantismo, é importante lutar todos os dias pela voz do povo, pela Liberdade. Aquela que temos de escrever com L maiúsculo. Contra o ataque aos cidadãos – como este da ocupação de espaço público, em prol de uma actividade unívoca e partidária, que comemora um dia da história contemporânea de Portugal, equiparando-o ao dia mais importante da história contemporânea de Portugal: o 25 de Abril de 1974. 

25 de Abril, sempre! 

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