Sociedade

Economia

Por que queria este Governo PS vender a TAP?

O que o PS prometeu aos seus eleitores foi manter o controlo estratégico sobre a TAP. Foi com esse programa que se apresentou a eleições. Foi com esse programa que obteve uma maioria absoluta. Para depois aprovar um Decreto-Lei onde entregava “pelo menos 51% do capital” a um comprador. E assume claramente que a sua ideia é integrar a TAP na Lufthansa, na Air France ou na Ibéria. O que é que mudou? 

São tão poucos os argumentos para tal decisão que o primeiro-ministro até se pôs a jeito para ser chamado de mentiroso ao afirmar na Assembleia da República que era o Plano de Reestruturação que previa a privatização, assim insinuando que essa era uma imposição de Bruxelas. Estas coisas podem fazer-se quando os planos andam escondidos. Mas na TAP houve uma CPI, o Plano de Reestruturação é suficientemente público para Costa ter sido obrigado a rectificar a sua intervenção, deixando ainda mais claro que esta privatização é uma pura opção do governo português. Que a UE há muito quer privatizar a TAP, nós sabemos. Mas não o pode impor e o plano de reestruturação não o impõe. E volta a questão: porque queria o Governo PS privatizar a TAP?

Em anteriores processos, os governos dramatizavam e diziam que a TAP ou era privatizada ou desaparecia. A vida demonstrou que o que aconteceu de facto é que a TAP ia desaparecendo de cada vez que era privatizada. Foi assim com a Swissair em 1998, foi assim com a Atlantic Gateway em 2020. Agora o Governo já nem tenta esse tipo de argumentação, que está descredibilizada. A única coisa parecida com um argumento é o reconhecimento da existência de um processo de consolidação (concentração e centralização) no sector aéreo à escala europeia e a consideração que ser “consolidada” é o futuro inevitável da TAP. Mas esse argumento, que já foi o argumento apresentado em 1998, é outra falácia. A TAP não precisou de estar na Lufthansa para integrar a Star Alliance (a maior aliança do mundo no sector aéreo), nem precisou de estar “consolidada” para sobreviver. Nunca precisou e continua a não precisar. E por isso a pergunta impõe-se por si própria: porque queria o Governo PS privatizar a TAP?

Por fim, temos ouvido os defensores de todas as privatizações falarem da necessidade de recuperar os 3,2 mil milhões que o país “gastou para salvar a TAP”. Os mesmos que andam calados com esse número espantoso de 20 mil milhões gastos para salvar a banca privada, que nunca foram pagos e não serão pagos, como o reconhece já o Relatório do OE 2024. E que andaram calados enquanto a Manutenção Brasil delapidava mil milhões de euros à TAP que foram incluídos neste resgate. Mas façamos-lhes o jogo: quanto é que paga o país de juros desses 3,2 mil milhões? Este ano, o juro da dívida externa foi de 2,3%. São 73,6 milhões de euros. Ora, mais que isso recebeu o Estado português de IRS da TAP este ano. Mais que isso, recebeu o Estado português de Segurança Social da TAP este ano. Mais que isso são os lucros da TAP nos primeiros 9 meses de 2023: 203,5 milhões. Parece-me que o investimento está a render bons juros e a ser bem amortizado. Por isso a questão impõe-se: porque queria o governo PS privatizar a TAP? 

A resposta parece simples: porque sempre quis. Sempre foi esse o projecto do PS. Em 1998, quando encabeçou o processo de venda à Swissair, em 2016, quando se recusou a reverter totalmente a privatização ilegal realizada pelo PSD/CDS, em 2020, quando foi forçado a renacionalizar a companhia para a salvar da gestão privada e da pandemia. É hoje evidente que o PS que em 2015 prometeu manter a TAP sob controlo público não tinha a menor intenção de cumprir a sua palavra, mas foi obrigado a fazê-lo pela correlação de forças geradas. Para ser mais claro, poderia ter dito Jerónimo de Sousa, então secretário-geral do PCP, “o PS só não será governo se não quiser cumprir as suas próprias promessas!”.

Em 2023, com maioria absoluta, e uma Assembleia da República onde 9/10 dos deputados são a favor da privatização, o PS já podia não cumprir as suas próprias promessas. E por isso avançou com a privatização.

Não deixa de ser irónico que o Presidente da República, na sua guerrilha com António Costa, tenha vetado o Decreto-Lei de privatização, o que conjugado com a crise política fabricada para 7 de Novembro e o pedido de demissão do primeiro-ministro, tornam completamente inviável avançar com a privatização antes das próximas eleições.

Para as quais vamos todos enriquecidos com esta lição: não importa tanto saber quem promete manter a TAP sob o controlo público e nacional, que é a posição da maioria do povo português. Importa sim dar força a quem é capaz de cumprir e fazer cumprir essa promessa.

Artigos Relacionados