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Custódio Braz Pacheco, antes de A Voz do Operário

Este 5 de Dezembro, faz 140 anos que faleceu o operário Custódio Braz Pacheco, um dos fundadores do jornal A Voz do Operário.

Ele é um símbolo dos trabalhadores que, em 1879, fundaram este jornal.

Foi o seu primeiro redator e depois o primeiro presidente da assembleia geral da sociedade A Voz do Operário.

Mas, antes disso, ele já tinha um longo percurso militante. O qual é ilustrativo dos primórdios do movimento operário e sindical, em Portugal.

Monarquia

Em 1863, aos 34 anos de idade, Custódio foi um dos fundadores da «União Fraternal dos Operários da Fabricação de Tabacos». E assumiu a sua liderança.

Era uma organização híbrida, mutualista e sindical, no seio da qual viria a nascer A Voz do Operário.

Em seu nome, Custódio subscreveu uma saudação de coletividades de Lisboa ao jovem rei D. Luís, pelo nascimento do seu primeiro filho – o futuro rei D. Carlos.

Foi uma iniciativa promovida pelo «Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes Laboriosas».

No ano seguinte, e como presidente de uma comissão de trabalhadores da indústria tabaqueira de Lisboa, Custódio enviou uma petição ao parlamento, reivindicando medidas protecionistas para defender o setor da concorrência estrangeira.

Nesses primórdios, foi um percurso assim, buscando melhorar a vida da classe trabalhadora, mas sem questionar a sua condição de classe subordinada, na hierarquia social.

Autonomia

Em 1870, o tom já começava a ser diferente. Custódio foi um dos responsáveis de uma petição de protesto contra atropelos à autonomia das organizações de trabalhadores. As que existiam à época.

Só 21 anos depois é que a primeira lei sindical portuguesa viria reconhecer e separar o papel próprio dos sindicatos em relação às associações mutualistas.

O que aconteceu em 1870 foi que as autoridades pretenderam apertar o controle administrativo e financeiro sobre a organização coletiva de trabalhadores, equiparando as suas associações a instituições de caridade. O que também lhes traria custos acrescidos.

A petição subscrita por Custódio defendia que tais associações eram diferentes, pois iam “além do auxílio fraternal, na doença e invalidez, aos seus associados”, e também cuidavam dos “interesses intelectuais e materiais”, promoviam o “ensinamento de seus filhos”, protegiam as suas viúvas, “e tudo isto por iniciativa, recursos e vigilância próprios, e sem nenhum caráter de esmola” [Diário do Governo, 17/04/1871, p.498].

No caso da «União Fraternal dos Operários da Fabricação de Tabacos», os estatutos definiam que poderia “igualmente ocupar-se de assuntos que tenham por fim concorrer para o melhoramento desta classe, exceptuando-se assuntos religiosos e políticos” [D.G., 22/12/1868, p.2958].

Fraternidade Operária

Em 1872, José Fontana fundou em Lisboa a «Associação Fraternidade Operária». Era já um protótipo de central sindical e veio abrir um novo capítulo das lutas laborais em Portugal, com uma primeira onda de greves em diferentes setores profissionais.

Segundo um testemunho coevo, Custódio “ocupava então o lugar de mestre de uma oficina e por isso não tomou parte activa nesse movimento”. Mas a “classe” dos operários tabaqueiros, que tinha sido “mais educada no princípio associativo, por influência” dele, foi das que “mais actividade mostraram” [A Voz do Operário, 31/03/1889, p.2].

Emancipação Operária

Fontana impulsionou também as cooperativas, como outra vertente de organização da classe trabalhadora.

Pois, em 1876, Braz Pacheco foi um dos fundadores de uma cooperativa chamada «Emancipação Operária» – um nome significativo.

Era um projecto com os horizontes de reunir forças e fundos para “fazer operações de crédito, empreender todo e qualquer negócio legal, criar estabelecimentos de produção e consumo, estabelecer gabinetes de leitura e escolas para os sócios e seus filhos”[D.G., 26/04/1876, p.764].

República

Em 1878, Custódio interveio noutro campo de ação, ao apoiar uma primeira campanha eleitoral republicana, para o parlamento.

Quem o convidou foi um antigo operário da Imprensa Nacional, Paulo da Fonseca. Este contaria que se tratou de “uma candidatura experimental, uma afirmação democrática“. E que procurou Custódio, para obter “o seu auxílio em prol daquela tentativa eleitoral”, porque este operário era tido como “um paladino da democracia”, que já tinha prestado serviços “assaz importantes”, quer “no campo da associação, como no campo político” [A Vitória da República, 1890, p.147].

O candidato a deputado foi o professor Teófilo Braga. Era um democrata e focou-se no progresso das liberdades cívicas (de expressão, reunião e associação). Mas também era um crítico do socialismo e a nível laboral avançou apenas uma vaga proposta de “regulamentação do trabalho das mulheres e crianças” [Teófilo Braga (1880), História das ideias republicanas em Portugal, pp.223/4].

A Voz do Operário

Em 1879, como fundador de A Voz do Operário, Custódio Braz Pacheco contribuiu para um avanço na afirmação da autonomia e dos interesses próprios da classe trabalhadora.

Este jornal rapidamente evoluiu em termos ideológicos. E em 1886 já estava a publicar um documento primacial na crítica do capitalismo: o Manifesto Comunista de Marx e Engels.

A morte, aos 55 anos de idade, não permitiu que Custódio tivesse tempo para acompanhar essa evolução.

Mas ainda deu o seu contributo, pois neste jornal já expressou uma crítica ao desfasamento de classe dos líderes republicanos.

E hoje, 140 anos depois da sua morte, o caminho que A Voz do Operário prossegue, é o caminho que ele e os demais fundadores abriram.

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