Estudos internacionais, como o TIMSS, o PISA, o PIRLS ou o TALIS, tornaram-se fortes influências junto dos decisores políticos, dos gestores escolares e da comunicação social. Portugal participa no PISA desde o seu primeiro ciclo em 2000. Até 2012 apresentou resultados abaixo da média da OCDE. Em 2015, os resultados ultrapassam essa média nos três domínios analisados (Literacias Científica, Matemática e de Leitura) e Portugal passa a ser apresentado pela OCDE como um “caso de sucesso”. Os resultados de 2018 parecem confirmar o sucesso. Entretanto, enquanto uns e outros reclamam como seus os créditos pelos resultados, existem um conjunto de indicadores que, por ironia, para além de terem uma consistência comprovada e de não aparecem nos diferentes meios de comunicação, permitem-nos olhar com mais cautela para o suposto sucesso.
A escola atual tem como único objetivo preparar os alunos para competir por postos de trabalho, no atual sistema capitalista. Aos olhos das políticas de direita qualidade na educação é a sua prostituição: fomentar a submissão e a obediência, promover a disciplina, impedir o aborto, promover a família patriarcal, um currículo fechado, universidade para alguns, etc.
O interesse exclusivo são os resultados a leitura, matemática e ciências. Não entendam mal. A sua importância é evidente. Mas é insuficiente para elaborar quadros de referência para as políticas educativas e para a transformação do mundo.
Uma vez tornados públicos estes resultados convertem-se no principal foco de atenção de todos os atores: governo, gestores, professores, alunos e famílias. Num momento em que o modelo economicista continua a dar sinais evidentes de falência, sobretudo pelo enfraquecimento do movimento democrático e de cidadania, é preciso sublinhar a importância de conhecimentos, procedimentos e valores sistematicamente esquecidos. As habilidades artísticas, a capacidade de interpretar momentos históricos, fenómenos políticos e sociais, as competências comunicativas, a formação literária, a capacidade de análise crítica, a educação afetivo-sexual, o desenvolvimento psicomotor e as capacidades desportivas. Ou ainda dimensões fundamentais para as sociedades democráticas: conhecimento dos direitos humanos, competências de resolução de conflitos, participação e gestão da vida quotidiana das escolas, capacidade de argumentação, competências de cooperação, colaboração e ajuda, responsabilidade, autonomia, compromisso com a democracia, valores, prioridades na vida.
Creio que ninguém duvida da necessidade de se avaliar os resultados escolares e os sistemas educativos. Mas, mais importante do que se fazer essa avaliação, é preciso saber a serviço de quem é que ela se coloca.
Em 2009 Jacques Hallak e Muriel Poisson denunciam a existência de corrupção nos sistemas educativos. No seu livro Écoles Corrompues, Universités Corrompues: Que Faire? podemos encontrar os principais indicadores de um sistema educativo corrupto. Por estranho que pareça, podemos igualmente ser confrontados com alguns destes indicadores no relatório nacional editado pelo IAVE sobre os resultados do PISA (2019). Existem vários. Ilustraremos alguns.
De acordo com o relatório Portugal encontra-se entre os países com maior disparidade económica, social e cultural entre os alunos. Estes dados há muito que são conhecidos e documentados nos relatórios da Comissão Europeia. Vejam-se os relatórios a partir dos anos 2000.
Relativamente aos resultados em leitura, podemos verificar que alunos desfavorecidos têm 3 vezes mais probabilidades de terem maus resultados do que alunos favorecidos (este efeito é maior em Portugal do que nos restantes países de OCDE). Ou, em 10 alunos provenientes de famílias desfavorecidas, apenas 1 tem bons resultados em leitura.
No que diz respeito às expectativas, é alarmante que Portugal seja um dos países em que a diferença entre os alunos mais e menos favorecidos quanto à expectativa de concluir o ensino superior seja mais expressiva. Dito de outra forma, quase todos os alunos dos meios mais favorecidos pretendem concluir o ensino superior, enquanto apenas 50% dos alunos com estatuto socioeconómico mais baixo tem este desejo. Igualmente alarmante, considerando os indicadores já referidos, é o facto de os alunos mais desfavorecidos estarem satisfeitos com a vida, com a escola e com os projetos que têm para o seu futuro. Por este motivo, em vez de expectativas deveríamos chamar adequação de expectativas. Parece que a escola que temos leva os alunos desfavorecidos a considerar que o ensino universitário não é para eles. Mas é assim que deve ser. Não só adequa as expectativas como também os faz ficar felizes com aquilo que lhes é devido. Não há muito tempo a OCDE apelidou o sistema educativo português de Elevador Social Avariado. A existência de diferentes percursos académicos não seria grave se o que os distinguisse não fosse a condição económica, social e cultural dos alunos.
Deste modo, parece que estamos perante a utilização das instituições públicas para a obtenção de benefícios privados, com um impacto significativo no acesso, na qualidade e equidade educativa. Aproveitando a forte cultura do Hip-Hop Português: “São velhas lutas com as novas putas que a crise fez” (Sam The Kid).
Uma escola para a cidadania democrática precisa pôr-se em contacto com conteúdos culturais que permitam desenvolver uma compreensão racional do mundo em que vivemos e fazer-se acompanhar de modelos organizacionais participativos, interativos e cooperativos. Pela mão de Dewey lemos que a urna foi concebida para a substituição das balas. Porém, isto nunca será possível sem um verdadeiro projeto educacional para uma sociedade democrática. No ano em que se comemoram os 45 anos do 25 de Abril, 60 anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança e 30 anos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças resta-nos perguntar: Que crianças? Que democracia?