Os violentos combates abrandaram de intensidade em algumas zonas de Cartum, a capital, e noutras cidades do Sudão, nos últimos dias de Maio, permitindo a chegada de algum auxílio humanitário.
Embora as facções em guerra se acusem mutuamente de violar as tréguas acordadas, organismos das Nações Unidas para assuntos humanitários indicam que têm conseguido fazer chegar ajuda alimentar às populações, esporadicamente, em diversos pontos onde o cessar-fogo foi respeitado.
Segundo testemunhos locais, são constantes as violações das tréguas, as mais recentes das quais negociadas em Jeddah, na Arábia Saudita, com mediação internacional, entre representantes dos dois lados do confronto armado. As partes comprometeram-se a permitir a abertura de corredores humanitários e a respeitar hospitais e outras instalações de saúde.
Fontes médicas no terreno indicam que, em cerca de mês e meio de combates, o número de mortos civis aproxima-se de um milhar, havendo mais de seis mil feridos e muitos desaparecidos. Nas grandes cidades, não há abastecimento de água potável nem de electricidade, outros serviços essenciais não funcionam e o acesso aos víveres é difícil.
Os confrontos, ferozes, com utilização de aviação, blindados e armas pesadas, mesmo em zonas residenciais, começaram no dia 15 de Abril, alegadamente por contradições no processo de integração no seio das Forças Armadas das milícias de Intervenção Rápida, lideradas pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, vice-presidente do Conselho Soberano de Transição, que rompeu com o chefe do Exército e presidente do conselho, general Abdel Fattah al-Burhan. Mas, de acordo com fontes sudanesas, as verdadeiras causas do conflito não têm a ver com a integração dos paramilitares nas forças armadas mas antes com a luta de facções pelo poder, luta que envolve alianças e compromissos com potências estrangeiras.
Os dois generais eram, até agora, aliados na junta militar que governa o país desde o derrubamento do presidente Omar al-Bashir, em 2019, que se seguiu a grandes manifestações populares contra a carestia de vida e a pobreza, contra a ditadura, por um poder democrático – movimento iniciado em finais de 2018 e que a esquerda sudanesa celebra como Revolução de Dezembro.
Al-Burhan e Dagalo, agora em guerra aberta, mantiveram-se à frente da junta militar golpista, recusando sempre entregar o poder aos civis, como era exigido nas ruas por milhares e milhares de pessoas, e foram arrastando as negociações para uma «transição democrática», que nunca aconteceu. Negociações mediadas pela «comunidade internacional» – Nações Unidas, Estados Unidos da América e aliados «ocidentais», Egipto, Arábia Saudita e Emiratos Árabes Unidos – e por organizações como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, que, aliás, já há muito operavam no Sudão.
Resistência popular contra junta militar golpista
Em Outubro de 2021, após um breve período em que os golpistas permitiram um governo de tecnocratas, dirigido por um civil, Abdalá Hamdok, submetido aos militares, os generais organizaram novo golpe de Estado e consolidaram o seu poder. Sempre com «apoio» da «comunidade internacional», negociaram com partidos da direita sudanesa a prometida «transição», ao mesmo tempo que continuavam a reprimir brutalmente manifestações populares que exigiam o regresso dos militares aos quartéis, um governo civil democrático e o fim das ingerências estrangeiras no Sudão. Manifestações essas organizadas por partidos de esquerda, incluindo o Partido Comunista Sudanês, sindicatos e organizações como os Comités de Resistência, responsáveis pelo amplo movimento político e social que nunca aceitou negociar com os militares golpistas.
A actual guerra civil sudanesa eclodiu precisamente em vésperas da assinatura de acordos entre a junta militar, partidos da direita coniventes com os golpistas e representantes da «comunidade internacional», todos actores antes muito «preocupados» com a crise social e económica no Sudão – país rico em petróleo e, sobretudo, com localização geográfica estratégica, junto do Mar Vermelho.
Ajuda de emergência para 25 milhões de pessoas
Além dos milhares de mortos e feridos e dos deslocados para áreas do país não tocadas pelos confrontos armados, provocados pela guerra civil no Sudão, registam-se já milhares de refugiados no Sudão do Sul, República Centro-Africana e Chade, todos eles fazendo fronteira com a região sudanesa do Darfur. O Egipto, a norte, e a Etiópia, a sudeste, também acolheram milhares de pessoas que fogem da guerra.
A Organização Internacional para as Migrações e outras agências da ONU calculam que, em fins de Maio, haja um milhão de deslocados internos e pelo menos 300 mil refugiados nos países vizinhos. Advertem que carecem de recursos indispensáveis para prestar ajuda humanitária aos sudaneses deslocados e refugiados, que «estão esfomeados, sedentos e cansados, (…) e necessitam de comida, água, atenção médica, necessitam de tudo». E alertam para uma catástrofe humanitária iminente: a maior parte da população sudanesa, 25 milhões de um total de 45 milhões, precisa de ajuda humanitária de emergência para sobreviver.
Por muito sombria que seja a situação actual no Sudão, o povo sudanês erguer-se-á de novo, tal como aconteceu em diversos momentos da sua longa história. Saberá combater e derrotar os seus inimigos, aliados a potências estrangeiras com desígnios imperialistas. E saberá conquistar a paz, reforçar a unidade nacional e construir um país próspero e justo, em que o aproveitamento das suas riquezas naturais beneficie a larga maioria dos sudaneses.