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O voo picado de uma TAP privatizada

“A TAP sem capital do Estado não existirá” e, quem defende o fim da TAP, deve, na opinião do dirigente do SITAVA, José Sousa, “assumir essas consequências políticas, sociais e económicas”.

Recentemente, num artigo de opinião, Carlos Coelho, um dos responsáveis pelas alterações na imagem internacional da marca TAP, lembrava que na Europa só “Andorra, Liechtenstein, Mónaco, San Marino e Vaticano” não tinham companhia aérea de bandeira e que as companhias de bandeira “são afirmações de independência de um país (…) alicerces de base para a veiculação de politicas nacionais”, como aliás é o caso da “Singapura Airlines, da Emirates e da Cathay Pacific ou mesmo da Brithish Airways, Air France ou Luftansa”. 

José de Sousa, da direção Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos (SITAVA) reforça esta ideia com números e vai mais longe: “Abdicar da TAP, como empresa com capital do Estado é admitir o fim do aeroporto de Lisboa como ponto de partida e de chegada para o Mundo, com as implicações que isso tem no turismo português”. 

O responsável sindical defende que entregar a TAP aos grupos Lufthansa, Air France/KLM ou Iberia/British Airways, sem o capital do Estado necessário para assumir a manutenção do Hub em Lisboa, é “assumir a perda de mais de 2 mil milhões de euros anuais de exportação de serviços, transformando aquilo que eram exportações em importações” e, acrescenta, “é desbaratar mais de 1,5 mil milhões de euros anuais, dinheiro que a TAP injeta na economia portuguesa, comprando serviços a mais de mil empresas, algumas delas a trabalhar em exclusivo”. 

A recente Comissão de Inquérito no Parlamento, na perspetiva deste dirigente sindical “tem lavado roupa suja ignorando o que de essencial deve ser debatido”, designadamente a “importância da companhia aérea na economia portuguesa” desde logo como “uma das maiores empresas exportadoras, crucial para a economia portuguesa e para o desenvolvimento do turismo”.

O sindicalista alerta para o facto de que “quem defende a privatização da TAP tem de assumir perante os portugueses que a empresa, que só sobrevive com HUB em Lisboa, vai deixar de o ter” o que tem várias consequências. Desde logo o de o aeroporto de Lisboa passar a ser periférico, isto é, explica: “Quem quiser voar por exemplo para os EUA ou Brasil ou mesmo Angola, terá de apanhar um avião na melhor das hipóteses para Madrid, um cenário desastroso também para o turismo”, diz. Isto, significa “abdicar de mais de 2 mil milhões de euros anuais que a TAP exporta em serviços”, com tudo o que isso implica na balança de transações e, “1,5 mil milhões de euros que a empresa injeta na economia portuguesa todos os anos que corresponde ao volume de negócios com mais de 1000 empresas portugueses que trabalham para a TAP, muitas em exclusivo” e, acrescenta, “passando esse volume de negócio para os mercados do país de origem do grupo que passar a deter a companhia”.

Isto, conclui José Sousa, “porque a TAP, além dos aspetos de soberania, porque é companhia nacional, ligação à diáspora, aos PALOP, à CPLP, é indispensável à economia” e é isso que sustenta a “presença de capital público na TAP”. 

Uma privatização paga com pelo do próprio cão 

Começam agora a ser conhecidos os pormenores do negócio da privatização, ocorrida em 2015, tendo como protagonistas o governo de Passos Coelho, já depois de ter visto reprovado o se programa de governo no Parlamento e pouco antes de ser substituído pelo primeiro governo de António Costa que já havia prometido reverter todo esse processo.

Depois de uma primeira tentativa de privatização, em 2013, falhada, o concorrente Gereman Efromovic, o sul-americano dono da Avianca, teria de pagar 35 milhões de euros, assumindo um passivo de cerca de 1,5 mil milhões de euros e ainda uma recapitalização da TAP, primeiro em 166 milhões de euros no imediato e depois mais 150 milhões, no prazo de 18 meses. “Não conseguiu sequer garantias bancárias para os 166 milhões” e, a venda da TAP só viria a acontecer dois anos depois, debaixo de um secretismo inédito. Desta vez a TAP seria vendida a uma sociedade constituída por David Nielman e Humberto Pedrosa, segundo se viria a revelar na altura, pelo facto de a EU não permitir que a companhia aérea europeia pudesse ser detida maioritariamente por um acionista extracomunitário. 

Nascida então a Atlantic Gateway, em partes iguais por David Nielman e Humberto Pedrosa, lembra José Sousa que “o ministro de Passos Coelho, Pires de Lima e o seu secretário de Estado, Sérgio Monteiro, montaram uma operação de venda que decorreu à noite, fora de horas, já depois das eleições que deram ao primeiro governo de António Costa. “Passos Coelho fê-lo enquanto líder de um governo que não viu aprovado o seu programa.”

A sociedade Atlantic Gateway concorreu à privatização de 61% do capital, sendo obrigatório, por lei, a abertura da subscrição até 5% aos trabalhadores. E assim foi, ficou escrito no documento de compromisso, “que a Atlantic Gateway compraria o restante capital no prazo de dois anos”. Explica o sindicalista que “o consórcio avançou com 10 milhões de euros ao Estado, pelas ações e havia o compromisso de capitalização de empresa em 264 milhões de euros”.

Do contrato de promessa à efetivação da compra decorreu algum tempo e, sabe-se agora, refere José de Sousa, que a Atlantic Gateway haveria de fazer a capitalização prometida com dinheiro da própria TAP: “Logo nessa altura David Nielman tinha feito o negócio com a airbus e recebido dinheiro por ter desistido da posição de compra que a TAP tinha firmado com a Airbus, de 12 aeronaves A350 por um preço muito baixo”. José Sousa explica que a TAP “foi uma das companhias que entrou no projeto da nova fabricação e teve engenheiros seus deslocados em Toulouse, só que o projeto, entretanto, sofreu alterações, foi sobredimensionado, resultando dali um avião muito mais evoluído e com mais capacidade de transporte”. O Airbus 350 900 XWD, a nova versão do avião, acabaria por ficar para a TAP, “como para todas as empresas que tinham entrado no projeto, ao mesmo preço do avião projetado inicialmente”. Ora, explica José Sousa, “a TAP tinha uma grande vantagem na compra destes aviões, também por aquilo que já tinha investido no tempo em que o avião ainda estava em fase de projeto”. Mas como “Nielman decidiu que a TAP não precisava do A 350, fez o negócio com a Airbus, desistindo e encomendando 53 novas aeronaves, da classe A330 neo”. Soube-se agora, diz José Sousa, que “os 264 milhões de euros da capitalização da TAP não foram nem mais nem menos o dinheiro que a Airbus pagou pela desistência da encomenda dos 350 mais o bónus pela encomenda dos 53 novos aviões. Portanto a TAP foi capitalizada com dinheiro da própria companhia”.

O sindicalista não tem dúvidas: “Foi um negócio altamente ruinoso para a TAP. Os 350 900 XWD são aviões de ultralongo curso. Podem fazer 18 horas de voo e estavam talhados para voos para o Oriente para o Brasil, Argentina, São Francisco, mercados que a TAP não tinha, mas que, segundo o sindicalista, pretendia explorar. “Há muitos anos que se falava que o desenvolvimento da China iria colocar milhões de chineses a viajar e a TAP preparou-se para isso”.

A decisão da Atlantic Gateway foi no sentido de adquirir os Airbus 330neo que estavam ainda em fabricação e a “troca da frota e compra de nova frota rendeu à Gateway o dinheiro para capitalizara TAP com dinheiro da própria empresa”. 

Uma reversão sem direitos económicos

Entretanto, refere José de Sousa, “o governo toma posse e na reversão o PS não vai além de 50% abdicando o Estado de quase todos os direitos económicos sobre a companhia, ficando a Gateway com 45% do capital inicial, mas com 90% dos direitos económicos”. Refira-se que na dispersão de 5% do capital social pelos trabalhadores, “a procura superou 19 vezes a oferta”, garante.

Sobre esta matéria o relatório do Tribunal de Contas é claro: “O aumento da participação do Estado no capital social (de 34% para 50%) foi acompanhado pela diminuição dos correspondentes direitos económicos (de 34% para 5%), ao mesmo tempo que a redução da participação da Atlantic Gateway no capital social (de 61% para 45%) foi acompanhada pelo acréscimo dos correspondentes direitos económicos (de 61% para 90%)”. 

“Com a reprivatização, o Estado satisfez compromissos internacionais, viabilizou uma empresa considerada de importância estratégica, melhorou as contas da Parpública (€692M) e assegurou a recapitalização pelo parceiro privado (€337,5 M), mas perdeu controlo estratégico e garantiu dívida financeira da empresa em caso de incumprimento (€615M)”. E acrescenta o documento: “ O Estado recuperou controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”. 

O plano de negócios da privatização incluía uma série de métricas anuais, sendo que, refere o dirigente do SITAVA, “Havia um plano da redução dos capitais próprios negativos até atingir o positivo, e em 2019 a TAP já tinha de ter resultados líquidos positivos. Mas, na verdade se em 2017 a TAP deu mais de 40 milhões de resultados positivos, em 2018 foram 120 milhões negativos e em 2019 mais 108 milhões negativos. Portanto, a 31 de dezembro de 2019, com a gestão privada a funcionar, a situação líquida da empresa apresentava mais de 800 milhões de capitais próprios negativos”.

Ora, era este o balanço em 2019, diz o sindicalista, com uma agravante: “o investimento na frota, era alavancado com dívida e a dívida da frota a 31 de dezembro ultrapassava 1,5 mil milhões de euros e, durante o ano de 2018/2019, a administração privada foi ao mercado fazer dois empréstimos obrigacionistas que totalizam cerca de 700 milhões de euros, um para os investidores institucionais e outro para o retalho”. Soube-se agora, conclui José Sousa “que com a entrega dos tais 264 milhões de euros que Airbus avançou a Nielman, para capitalizar a TAP, estava contratualizada uma renda a pagar na compra dos aviões. Isto é, a TAP, neste momento, paga os leasings mais caros que os concorrentes, porque está a pagar parte desses 264 milhões que a Airbus avançou e parte desse dinheiro está agora a ser pago no leasing dos aviões”. Para se ter uma ideia, refere José de Sousa, o leasing de um A330 900 neo custa 900 mil euros por mês e a TAP tem 19 destes aviões”.

Entretanto surge a pandemia e era esta a herança do negócio ruinoso montado pelo governo de Passos Coelho, “uma empresa completamente exaurida, sem tesouraria e a necessitar de voar todos os minutos possíveis para pagar dívidas. Quando parou a frota por força da pandemia foi o descalabro”. É neste cenário, afirma o sindicalista “que Pedro Nuno Santos, entra e em junho, não fora a entrada dos 1,2 mil milhões de euros, a TAP não resistiria”, porque os acionistas privados se recusaram a fazê-lo.

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