A alínea a) do artigo 65º (Habitação e Urbanismo) da Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, diz que “o Estado adaptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.”

Hoje, passados cerca de 50 anos depois de ter sido aclamado tão esperançoso documento, até o mais otimista cidadão se vê obrigado a constatar que as políticas adotadas pela governação das últimas décadas em vez de serem tendentes “a estabelecer um sistema e rendas compatíveis com o rendimento familiar”, têm sido divergentes em relação a esse objetivo e que o sonho de cada família de habitar em casa própria se desvanece e muitas vezes por crueldade da banca se transforma em pesadelo.

É, pois, com tristeza e raiva que qualquer cidadão democrata chega à constatação que foram construídas mais habitações destinadas a populações carenciadas durante perto de meio século de um regime ditatorial do que em quase igual tempo de regime neoliberal. 

Mas nem sempre assim foi.

Quem saindo de Lisboa a caminho de Sintra poderá ver à sua direita, no início do que antigamente se chamava a “rampa dos cabos Ávila”, um conjunto de 240 moradias bem conservadas que, à boa maneira mediterrânea, revestem uma colina virada ao Sol e usufruindo de boas vistas sobre o parque de Monsanto. É o bairro do Alto do Moinho, inserido no Plano Integrado do Zambujal elaborado em período revolucionário pelo Fundo de Fomento da Habitação, hoje extinto. Muitos dos que agora lá habitam ou os pais de muitos dos que agora lá habitam viviam em condições miseráveis nas barracas do bairro de Santas Martas, em Algés e foi dentro do espírito da Constituição de 76 e através de um imaginoso programa, o SAAL, que hoje são proprietários de habitações condignas. 

O SAAL permitiu que uma população organizada em torno de uma associação de moradores beneficiasse de condições favoráveis de apoio estatal. Se a memória não falha seriam 90 contos por família a fundo perdido e um empréstimo a 3% amortizável em 30 anos para o restante custo do fogo construído, com a garantia de serem realojados em terrenos infraestruturados e servidos por equipamento urbano próximo do local onde haviam construído as suas barracas e viviam há anos. Recebiam igualmente apoio técnico através do fornecimento de projetos e acompanhamento das obras, além de apoio jurídico na constituição e caraterização da sua associação.

Ocorreu na construção do Bairro do Alto do Moinho, no Zambujal, uma feliz coincidência quando a História gerou uma revolução no nosso país e o Núcleo de Arquitetura do LNEC estudava a forma de, com os recursos limitados existentes, beneficiar em termos de realojamento a curto prazo o maior número de famílias. Habitação evolutiva se chamava o processo que consistia em fornecer a cada família vinda das barracas um núcleo constituído inicialmente por uma sala, cozinha e casa de banho, inserido num lote que permitiria expansões futuras consoante o crescimento familiar e a disponibilidade de recursos. Partindo desse núcleo a gestão do processo de crescimento passou a ser de cada família dentro do princípio básico de que “ninguém tira o Sol e as vistas ao vizinho, nem abre janelas para o pátio dele”. Princípio que tem sido rigorosamente respeitado e mesmo quando os acrescentos alteram a imagem global do bairro são aceites por serem representativos do amor que as populações meridionais demonstram pelas suas casas.

É irrepetível a experiência da construção do Bairro do Alto do Moinho, no Zambujal, paredes meias com Alfragide. Os tempos são outros, as necessidades diferem e a pressão do problema ganha outras escalas. “Quem casa, quer casa” e quem quer ter filhos tem de ter casa. É necessário chamar de novo a imaginação ao Poder e é por isso que se impõe analisar todas as oportunidades que se apresentem para resolução do problema. Desde incentivos à iniciativa privada até à construção direta por parte do Estado.

A este propósito se afirma que é confrangedor o papel apagado que no programa do governo para a resolução do problema da habitação é dado à população organizada e ao sistema cooperativo em contraste com a estridência que o diálogo com o senhorio assumiu.

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