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Centro de Convívio

População idosa e Covid-19: do idadismo ao regresso

“Já temos poucos anos de vida e ainda nos tiraram mais dois” – foi a Maria que disse, hoje, sentada num banco do Largo da Graça, no nosso reencontro soalheiro pós-pandemia.

Tinham passados poucos meses daquele novo quotidiano quando nos debruçámos num artigo que anunciava “Mais velhos, mais diferentes”. Passaram muitos outros meses, uns quantos momentos de libertação e outros de recuo, novos períodos de confinamento e, não querendo antecipar a conclusão, estas linhas assumem uma crítica marcada à gestão destes tempos: a representação de todos os idosos como um grupo homogéneo e vulnerável.

Voltemos, então, ao que nos distingue. Desenvolvemo-nos do primeiro ao último dia de vida, num processo que influencia e se deixa influenciar pelas condições do nosso contexto. Sejam os nossos cuidados de saúde pediátricos, o salário que auferimos enquanto trabalhamos, as oportunidades de participação que nos oferecem quando envelhecemos, ou a existência de um vírus à escala global. A cada experiência e acontecimento, tornamo-nos exponencialmente mais diferentes dos demais. Se algo herdamos da idade, é a heterogeneidade.

Estivemos longe de a respeitar. O calendário do nosso Centro de Convívio marca, quase numa performance poética, 20 de Março de 2020. Dentre os dois anos perdidos a que a Maria se referiu, assistimos, em primeira linha, ao declínio das capacidades funcionais dos nossos utentes, ao comprometimento que tal assumiu na autonomia de tantos deles, bem como à diminuição dos seus sentimentos de bem-estar e qualidade de vida. Até aí, era supostamente contra isto que investíamos o nosso trabalho na luta contra o isolamento social.

Não desconsideramos a importância da prevenção num cenário que se apresentou devastador e, acima de tudo, imprevisível. A taxa de óbitos acima dos 65 anos foi/ tem sido indiscutivelmente superior quando comparada com as restantes faixas etárias. Apesar disso, uma leitura linear destes dados desconsidera duas situações – por um lado, o número largamente superior de infeções entre as camadas populacionais mais novas e as suas consequências já reconhecidas; por outro, a contabilização absoluta destes dados numa sociedade envelhecida, como é o caso da portuguesa.

Se é aconselhável proteger os mais vulneráveis ao vírus, noutro sentido, o comprometimento da autonomia dos mais velhos e a desconsideração das suas necessidades e contribuição social configuram atitudes idadistas. Esta equiparação da idade mais avançada com dependência e limitação, não só ignora a diversidade que já referimos, como expressa aos idosos que são frágeis e incapazes. As evidências da prática científica e profissional vêm, sobre isto, demonstrando que a experiência do envelhecimento é construída a partir da perceção que cada pessoa tem acerca da sua vida. A visão estereotipada da velhice como etapa de perdas, declínios e recuos representa uma influência negativa no desenvolvimento da pessoa idosa, com consequências ao nível da memória, da gestão de stress, da autoimagem, das expetativas relativamente a esta etapa vital e – curiosamente – até ao nível… da mortalidade. Parece, então, que mal e cura partilham o mesmo desígnio.

Transportamos marcas – individuais e coletivas – incontornáveis desta época. Transformámos necessidades e até interesses, os quais nos exigem respostas. Enquanto profissionais, o mote é, mais do que nunca, adaptação. Recuperar o sucesso do envelhecimento implica reconduzir a ação no sentido da valorização de todas as pessoas que, independentemente da idade, são recursos capazes e disponíveis para contribuir para a sociedade. A partir de março, voltamos a contar com todos para trilhar esta estrada – está reaberto o nosso Centro de Convívio.

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