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Prof. Ferreira de Macedo, fundador da Universidade Popular Portuguesa

I

No dia 14 de Junho de 1947, um conjunto de 21 professores universitários foram demitidos dos seus postos de trabalho pelo governo de Salazar, acusados de apoiarem a oposição.

Um deles foi António Ferreira de Macedo, professor catedrático no Instituto Superior Técnico de Lisboa.

Filho de um casal de comerciantes da vila de Mesão Frio, em Trás-os-Montes, estava com 60 anos de idade, numa vida dedicada à causa da educação.

II

Começou cedo. Ainda no seu tempo de estudante, o jovem Ferreira de Macedo esteve ligado à Liga de Educação Nacional. Veio depois a ser secretário-geral da Sociedade de Estudos Pedagógicos e presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática. Três diferentes movimentos colectivos com uma preocupação comum: difundir e melhorar o ensino entre a população portuguesa.

Ferreira de Macedo tinha também um percurso mais político. Foi um jovem republicano ainda no tempo da monarquia. Segundo contava, participou na grande greve estudantil de 1907 e na fundação da associação de estudantes da Escola Politécnica (que funcionava onde hoje está instalado o Museu Nacional de História Natural e da Ciência).

Em 1921, Macedo foi um dos fundadores da revista Seara Nova. E, em 1945, participou na fundação do MUD (Movimento de Unidade Democrática), no qual assumiu responsabilidades a nível nacional, como secretário da “junta consultiva”, ao lado de Norton de Matos (presidente), e de António Sérgio (vice-presidente).

III

O contributo mais marcante de Ferreira de Macedo está ligado à história do movimento sindical: a Universidade Popular Portuguesa. 

Foi um projecto de formação cultural especialmente direccionado para a classe operária. Para além de criar uma biblioteca, ao longo de três décadas organizou inúmeras conferências, bem como sessões comentadas de cinema e música. Tudo isto com a participação de muitos dos mais prestigiados intelectuais portugueses da época.

Começou por ser, em 1919, um projecto à escala do bairro de Campo de Ourique, em Lisboa. Foi aí que a Universidade Popular Portuguesa nasceu e teve a sua sede, na Cooperativa A Padaria do Povo. Desenvolveu-se depois para outras zonas da cidade, ao criar secções instaladas nas sedes de diferentes sindicatos: dos caixeiros, dos arsenalistas do exército, dos metalúrgicos e dos operários da construção civil. E chegou a Setúbal, onde funcionou na sede do sindicato dos trabalhadores do mar.

Em 1930, o secretário-geral da Universidade Popular Portuguesa era o anarco-sindicalista José Carlos de Sousa. Ele contou então que esta obra era “devida a um feliz momento de inspiração de um nosso dedicado consócio que, nessa iniciativa se viu acompanhado por muitas pessoas que incondicionalmente lhe prestaram a sua coadjuvação. Esse consócio é o Dr. Ferreira de Macedo, cuja energia e fé nunca é demais encarecer. À sua firmeza e saber se deve a conservação e desenvolvimento do nosso instituto, visto que não se limitou apenas a ter a ideia e a efectivá-la, mas antes a amparou com a sua prodigiosa actividade, através de mil dificuldades em que outros soçobrariam, cheio de confiança no futuro da obra que tanto o empolgava. E, com efeito, a Universidade aí está honrando como sabe e pode o nome do seu fundador” [O Rebate, 08/07/1930, p.2].

Inúmeros documentos e outros testemunhos confirmam este papel de Ferreira de Macedo como principal obreiro da Universidade Popular Portuguesa. Neste ano do centenário da revista Seara Nova, vale a pena ler, por exemplo, o que aí escreveram Alexandre Vieira e Luís Câmara Reis, aquando da morte de Ferreira de Macedo [Seara Nova, Outubro 1959, pp. 316 e 325).

Mas o seu contributo individual concretizou-se e foi potenciado no seio de um trabalho colectivo, em que avultaram também os contributos de José Carlos de Sousa e de Bento Jesus Caraça. E tudo isto assentou na organização da classe trabalhadora: uma cooperativa e pelo menos cinco sindicatos (do antigo movimento sindical livre que foi dissolvido pela ditadura, em 1933).

Assentou… e assenta ainda: esse trabalho colectivo é hoje continuado pela sociedade A Voz do Operário, que herdou e mantém a antiga biblioteca da Universidade Popular Portuguesa.

IV

O professor Ferreira de Macedo era sócio da A Voz do Operário. E teve aqui três intervenções que não devem ser esquecidas.

Em Janeiro de 1934, ele proferiu na A Voz do Operário uma conferência de cariz pedagógico, intitulada “As tarefas actuais de todos os professores-educadores”.

A revolta operária do 18 de Janeiro tinha sido esmagada há poucos dias. E na Alemanha, os nazis já estavam no poder fazia um ano. Ferreira de Macedo apontou então: “atravessamos um dos momentos mais graves, se não o mais grave, da nossa civilização. Estamos nas vésperas duma nova grande guerra entre nações […]; e vivemos ao mesmo tempo uma época de cruéis lutas sociais, dentro de cada nação”. Perante este quadro, afirmou uma mensagem de esperança, com a sua “fé sincera e entusiástica no valor da vida e no poder da educação”. (A Voz do Operário, Junho 1934, p.3]

Já depois da derrota do fascismo na 2ª Guerra Mundial, em Novembro de 1945, Ferreira de Macedo vinha de novo proferir uma conferência na A Voz do Operário, dessa vez sobre “Cultura popular”. Mas já no próprio dia, esta conferência foi proibida. 

Em Janeiro de 1949, Ferreira de Macedo subiu ao palco do salão da A Voz do Operário para dar a cara pela oposição à ditadura: aqui presidiu a um comício da campanha de Norton de Matos.

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