As velhas tácticas imperialistas dos Estados Unidos e seus aliados regressam como novas desgraças, quase como um eterno retorno, um pouco por todo o mundo. A fórmula imperialista de ingerência política, asfixia económica e intervenção militar, que se traduz em ocupações ou agressões de diversas formas tem como elemento comum a degradação das condições de vida dos que vivem nos países intervencionados ou sancionados. Em nenhum momento da história beligerante dos Estados Unidos da América, os povos dos territórios agredidos viram a sua vida melhorar ou os seus direitos progredirem.
Vinte anos depois de uma ocupação militar e política, realizada inicialmente sob dois grandes pretextos: suprimir as forças terroristas ligadas à Al-Qaeda (no seguimento dos atentados de 11 de Setembro de 2001) presentes no território Afegão e pôr fim ao regime taliban; o Afeganistão está hoje integralmente à mercê desse regime e continua, ao que tudo indica, a ser um berço e sede de treino de organizações ligadas ao terrorismo fundamentalista.
A NATO e vários Estados, entre os quais Portugal, desempenharam um papel importante no apoio à política de agressão dos EUA. Ao longo de duas décadas, sucessivos governos portugueses mostraram a sua servidão ao império, alinhando na ocupação militar do território. Essa política, uma vez mais, mostrou ser completamente incapaz de resolver qualquer dos problemas que inicialmente lhe servem de justificação. Nem foram eliminadas as células de “terroristas”, nem foi terminado o regime taliban.
Importaria talvez regressar um pouco ao final dos anos 70 do século passado, para compreender a génese do poder bélico e político de alguns grupos islâmicos radicais: após a revolução democrática, que origina a fundação da República Democrática do Afeganistão e concretiza direitos políticos e económicos para toda a população, incluindo as mulheres e as minorias, bem como determina uma reforma agrária e inicia a planificação da economia, o Afeganistão aproxima-se mais da União Soviética política e economicamente. Em 1978, na sequência da revolução, é assinado o terceiro tratado de amizade entre o Afeganistão e a União Soviética, prevendo cooperação política, económica e militar. Esse tratado é um alerta para a perspectiva de domínio global estadunidense, particularmente tendo em conta que o anterior governo afegão era mais próximo de Washington que de Moscovo. Esse estado de alerta leva os EUA a armar, financiar e promover as forças mais retrógradas, apostando no fundamentalismo religioso e no anti-comunismo, para dar combate ao novo governo democrático. Enquanto o povo afegão construía a sua democracia, os EUA alimentavam um exército religioso de chamados “freedom fighters”, os Mujahideen. Se é verdade que o Rambo 3 não é uma fonte histórica integralmente fiável, não deixa de ser curioso verificar a forma como esses guerrilheiros são mostrados nesse filme, deixando um documento sobre como os EUA financiaram, armaram e treinaram os grupos que mais tarde viriam a dominar o Afeganistão e a fazer o país mergulhar num novo período obscurantista.
A União Soviética intervém militarmente no território afegão ao abrigo do tratado de amizade e cooperação assinado em 1978, como forma de ajudar o legal governo do país a superar os ataques dos grupos terroristas financiados pelos EUA. Em 1989 a URSS retira, mas mantém o apoio político ao Afeganistão. Em 1992, três anos mais tarde, os Mujahideen tomam o poder e formam governo. O povo afegão resistiu aos Mujahideen, o governo e o exército resistiram, apesar do apoio dos EUA aos terroristas.
A retirada militar dos EUA, em 2021 demonstra um cenário completamente diferente: o povo afegão não resistiu e o governo capitulou imediatamente. Não será um mero acaso: em 29 de Fevereiro de 2020, o Governo dos EUA e os Taliban assinam um Acordo – o Acordo de Doha – em que os Estados Unidos, pela mão de Trump, apenas exigem a retirada segura do seu pessoal militar e diplomático, sem quaisquer outras exigências políticas aos Taliban. A concretização da retirada viria a ditar o regresso automático dos Taliban ao poder.
É importante, depois de fazer essa contextualização histórica da ocupação norte-americana e do surgimento das forças mais anti-democráticas através dos Mujahideen e dos Taliban, fazer nova avaliação da situação no terreno tendo em conta os desenvolvimentos presentes e próximos.
A nova avaliação implicará não tecer conclusões precipitadas sobre a região e sobre o futuro do Afeganistão e ter a lucidez para ver além dos jornais e telejornais. Nem os Taliban de hoje são exactamente os Mujahideen de ontem, nem a situação está integralmente resolvida. O posicionamento geoestratégico dos países vizinhos, bem como dos países do G7, não será totalmente alheio ao futuro do Afeganistão. A campanha mediática em curso, de valorização sem fundamento da presença norte-americana no território e de condenação sem elementos concretos do regime taliban visa no essencial criar as condições para a manutenção do domínio imperialista da região e para manter afastado o Afeganistão da Rússia e da China, ao mesmo tempo que, pela calada, o G7 prepara o reconhecimento do regime taliban. O futuro do Afeganistão não está determinado, como o de nenhum povo, mas é certo que só livre de ingerências poderá ser o seu povo a construir os seus destinos, o seu futuro, nos seus termos e em paz.