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Nas ruas da Amadora, ninguém é estrangeiro 

“O melhor da Amadora são as pessoas” e “com as pessoas, pelo futuro” foram lemas de campanha do PS nas duas últimas eleições autárquicas. Mas a polémica rebentou na Assembleia Municipal quando a oposição denunciou um outdoor da autarquia sobre a política securitária local com uma família branca e sorridente a promover a videovigilância: “Olhamos por si”. Distante da realidade de uma cidade heterogénea, frequentemente alvo de preconceitos raciais e xenófobos, o PS apresentou uma família nada heterogénea como exemplo de quem tem de ser protegido.

Nestas eleições, o partido que detém a presidência da Câmara Municipal desde 1997 volta a candidatar Carla Tavares, sucessora de Joaquim Raposo, para um último mandato. Já o PSD e o CDS-PP apostam em Suzana Garcia, figura que se popularizou na televisão pelo seu discurso de extrema-direita. A CDU lança o ex-presidente dos Bombeiros Voluntários da Amadora, António Borges, e o BE volta a candidatar a professora Deolinda Martin.

Todos diferentes, todos iguais

Da Rua Che Guevara à Estrada Salvador Allende, da Praça Hugo Chávez à Rua Álvaro Cunhal, cada pedaço da Amadora tem a sua história. A do candidato da CDU podia ser a história da esmagadora maioria dos moradores da cidade. Filho de um mineiro alentejano, nasceu em Mértola e com apenas três anos chegou à Amadora acompanhado dos pais que fugiam ao desemprego e à fome. As sucessivas vagas de migrantes moldaram uma terra que passou de ser uma pequena vila a erguer-se como um dos pólos industriais mais importantes da região. A chegada de trabalhadores de várias regiões do país para alimentar as fábricas locais, primeiro, a vaga de retornados das ex-colónias, depois, e entrada de imigrantes de inúmeros países que protagonizaram a construção de habitações, auto-estradas, hospitais, escolas e estádios foi um desafio para o primeiro concelho criado depois da revolução de Abril.

A primeira força política à frente da autarquia foi a Aliança Povo Unido e depois a CDU, duas coligações encabeçadas pelos comunistas. Durante quase duas décadas, a estratégia passou por enfrentar o desafio de melhorar a qualidade de vida da população de uma cidade cheia de barracas e com o maior bairro ilegal da Europa, a Brandoa. 

A entrada na corrida eleitoral do discurso de extrema-direita que visa apontar o dedo aos que vêm de fora esconde este importante facto: quase todos na Amadora são filhos, netos ou bisnetos de migrantes. Mas a porta a esta narrativa racista e xenófoba já estava aberta. Tanto a CDU como o BE apontaram o dedo várias vezes a Carla Tavares durante os últimos mandatos não só pelas políticas securitárias mas também pelo seu desprezo pelos bairros e por quem lá vive. Pelo silêncio da autarquia parece que não há incómodo com os sucessivos escândalos policiais, dos quais se destaca a condenação histórica de oito agentes da PSP por sequestro agravado de jovens da Cova da Moura, ofensas à integridade física qualificada, injúria, denúncia caluniosa e falso testemunho, um deles com prisão efetiva.

Outra das críticas da oposição ao PS é a destruição do prestígio cultural e desportivo construído durante décadas de políticas da CDU de apoio ao movimento associativo. A perda de importância do Festival Internacional de Banda Desenhada, a falta de preservação e exposição das obras do acervo municipal, o fim da tradicional Feira do Livro e a aposta em iniciativas mais mediáticas do que estruturais fizeram da Amadora cada vez mais um dormitório do que um pólo cultural. No plano desportivo, a construção de uma pista de ski serviu para alimentar o anedotário dos munícipes. Abriu uns meses e nunca mais se viu ali qualquer atividade. Em contraste, a recusa em remunicipalizar o Estádio José Gomes, histórica casa do Estrela da Amadora, foi, segundo a oposição, uma demonstração de falta de coragem.

Hoje, a Câmara Municipal da Amadora tem uma baixa execução orçamental e uma conta bancária que lhe permite ir para além das políticas paliativas do PS. Por exemplo, a Amadora e Oeiras, que gerem em conjunto os Serviços Intermunicipalizados de Água e Saneamento (SIMAS) que abrangem os dois concelhos, têm milhões de receitas que acumulam ano após ano num serviço público que podia ser mais barato, como propôs a CDU na Assembleia Municipal.

Amadora, no olho do furacão mediático

A entrada na batalha eleitoral de candidatos que são escolhidos à direita tão somente pelo seu mediatismo em programas de televisão não é uma novidade mas contribui para que uns candidatos sejam mais conhecidos do que outros logo no começo da corrida eleitoral. É à procura dessa vantagem mediática que determinadas forças políticas enveredam por essa opção.

O grau de mediatização de Suzana Garcia permite-lhe não só ser a mais conhecida dos candidatos como aceder mais facilmente aos meios de comunicação para divulgar a sua candidatura. Com inúmeras figuras da televisão como apoiantes, a candidata “anti-sistema” e “anti-corrupção” pôde afirmar numa entrevista à SIC, sem contraditório, que o melhor autarca do país é Isaltino Morais, autarca de Oeiras que esteve encarcerado por corrupção. Na mesma transmissão, Suzana Garcia questionou por que havia alguém de votar no candidato do Chega quando a tem a ela.

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