Nos intervalos das suas três partidas para África, Bento Gonçalves não dispôs no total de mais de seis anos como dirigente operário no activo – e sempre sob ditadura. Mas, nesse tempo que lhe escasseou, deu um contributo que faz dele, sem dúvida, uma “figura grada” na história do sindicalismo e da resistência anti-fascista em Portugal. E na história do seu partido, o Partido Comunista Português.
Recorde-se que só depois de regressar de Angola, onde viveu dois anos em serviço militar, é que ele se salientou no movimento sindical, sendo eleito, em 1927, secretário-geral de um dos grandes sindicatos na Lisboa da época, o Sindicato do Pessoal do Arsenal da Marinha, então com cerca de 1700 trabalhadores associados.
Foi na sequência da sua acção como sindicalista que Bento Gonçalves aderiu ao PCP e, em 1929, se tornou seu secretário-geral. No espaço de cerca de um ano, esteve entre os principais responsáveis pela reorganização que lançou o PCP para um papel central na resistência à ditadura. E foi fundador da Comissão Inter-Sindical, uma estrutura semi-legal que rapidamente passou a funcionar como uma nova central sindical. Tudo isto nas horas vagas deixadas pelo seu trabalho, como operário na oficina de máquinas do Arsenal da Marinha.
Até que, logo em 1930, foi preso e deportado, primeiro para os Açores e depois para Cabo Verde: a sua segunda partida para África.
Só pôde regressar a Portugal em 1933. Retomou então funções na direcção do PCP e no seu posto de trabalho no Arsenal. Ao fim de seis meses, passou à clandestinidade, para se poder consagrar à luta contra a ditadura.
Mas teve pouco tempo. Em 1935 foi outra vez preso e deportado, novamente primeiro para os Açores e depois para Cabo Verde: a sua terceira partida para África.
E já não regressou com vida. Morreu, com apenas 40 anos de idade, no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Assassinado com exposição deliberada a doenças tropicais, maus tratos e negação de tratamento médico.
Bento Gonçalves foi um dos principais opositores assassinados pela ditadura de Salazar, juntamente com o general Humberto Delgado e o sindicalista Mário Castelhano (antigo secretário-geral da CGT).
1º de Maio
Em representação do sindicato do Arsenal da Marinha, Bento Gonçalves foi um dos oradores nas celebrações do 1º de Maio que, em 1928, se realizaram no salão da A Voz do Operário. Desse seu discurso, só conhecemos a moção que apresentou e que foi aprovada. É um documento que reflecte bem as limitações impostas pela ditadura militar, no “período pré-fascista”. Com um cariz unitário e defensivo, não apresenta nenhuma nova reivindicação, mas marca uma afirmação de resistência, na qual ressalta a referência aos militantes operários e sindicais que estavam presos e deportados.
Dizia o seguinte:
“Prestar homenagem a todos aqueles que, a despeito de sacrifícios indizíveis têm lutado em prol das reivindicações da classe operária, e procurar manter a todo o transe, além do horário normal de trabalho, todas as outras conquistas realizadas;
Afirmar o seu protesto contra todos aqueles que têm concorrido e procuram concorrer para o agravamento da situação económica e moral da mesma classe;
E, finalmente, prestar toda a solidariedade moral e material aos operários prejudicados pela sua acção nas associações.” (entre outras fontes: O Século, 03/05/1928 e Diário de Lisboa, 02/05/1928)
Aqui a palavra “associações” refere-se a sindicatos. Segundo a lei sindical então ainda em vigor (de 1891), os sindicatos eram designados como “associação de classe” e era essa a expressão correntemente utilizada.
Esta celebração do 1º de Maio na A Voz do Operário contou também com a intervenção de uma mulher já veterana das lutas laborais, a operária tabaqueira Virgínia Silva.
Liga Pró-Moral
Outra intervenção de Bento Gonçalves ligada à A Voz do Operário acorreu no final do mesmo ano de 1928: foi ele quem presidiu à festa anual da “Liga Pró-Moral”.
Era uma associação de solidariedade social, focada no bairro da Graça, e que tinha sido fundada, em 1917, por um grupo de funcionários da A Voz do Operário.
Segundo um balanço efectuado em 1945, a Liga Pró-Moral já tinha distribuído roupa e calçado a mais de duas mil crianças. Ao longo desses anos teve como dirigentes várias figuras históricas da A Voz do Operário como os sindicalistas João Rodrigues Cassão (dos operários tabaqueiros), Agostinho de Carvalho (dos arsenalistas da Marinha), ou Júlio Silva e Amílcar Costa (dos caixeiros), entre outros.
Em 1928 a Liga Pró-Moral estava instalada na sede do sindicato do Arsenal da Marinha, cujo secretário-geral era Bento Gonçalves. Foi nessa função que lhe coube presidir à festa anual, na qual foi oferecida roupa completa e calçado a 36 crianças, além de lhes ter sido servido um almoço convívio.
No momento de sessão solene, Bento teve a seu lado, a secretariá-lo, o regedor da freguesia, Joaquim Salvador, e um representante da A Voz do Operário, José de Almeida.
Refira-se que, para além de albergar a Liga Pró-Moral, o sindicato do Arsenal da Marinha mantinha uma escola primária com perto de 30 alunos, equipada com uma cantina infantil. E dispunha também de uma biblioteca para os sócios.
Era um exemplo da importante acção cultural e social levada a cabo pelos sindicatos livres, que a ditadura dissolveu à força, ao transformar-se num regime de tipo fascista, em 1933.