Voz

Sindicalismo

“Tudo conseguem quando coletivamente organizados”

Júlio Ferreira de Matos

“Tudo conseguem quando coletivamente organizados”, dizia o sindicalista Júlio F. de Matos

I.

O aniversário da sociedade A Voz do Operário em Fevereiro de 1934 coincidiu com um momento particularmente pesado para a classe trabalhadora em Portugal. Sob a liderança de Salazar, a ditadura militar transformara-se num regime do tipo fascista.

Estava aberta uma verdadeira época de “caça” aos ativistas pelos direitos dos trabalhadores. As prisões sucediam-se, para esmagar a contestação à dissolução forçada dos antigos sindicatos livres.

A PIDE tinha acabado de nascer e já vinha com os dentes bem afiados: dois meses depois assassinava o sindicalista Manuel Tomé, torturado até à morte.

A Voz do Operário também tremeu. Manuel Tomé era nosso vizinho, da nossa rua, como dirigente da cooperativa Caixa Ecómica Operária.

Um ex-presidente da assembleia geral de A Voz do Operário, Júlio Luiz, que deixara este cargo ainda há poucos meses, também tinha sido preso. Felizmente, dessa vez não foi deportado para África, como já tinha acontecido.

Lá fora, Mussolini era senhor de Itália e Hitler já comandava a Alemanha. A grande crise económica de 1929 ainda multiplicava desemprego e miséria pelo mundo fora.

II.

Era preciso resistir!

Um dos ativistas que nesses anos asseguraram a continuidade de A Voz do Operáriofoi o torneiro mecânico Júlio Ferreira de Matos. Integrou então a direção, o conselho fiscal, a comissão de pareceres. E colaborou pontualmente no jornal.

Nesse aniversário da sociedade A Voz do Operário, em 1934, Júlio Ferreira de Matos recordou o passado e procurou um caminho para o futuro.

Do passado, recordou os “batalhadores, operários conscientes” que “se dedicaram de alma e coração à organização de um jornal que demonstrasse o sentir da classe trabalhadora”. Sobre a sociedade A Voz do Operário, “filha legítima do mesmo jornal” evocou o “esforço empregado por todos quantos por ela têm passado como corpos gerentes, deixando cada um desses elementos a sua cota parte da bagagem que possuem para que ela se possa erguer ao mais alto píncaro” na causa da instrução.

Onde é que ele vislumbrou futuro?

Ao sublinhar que “todo este trabalho foi e será colectivo, e nunca individual”. O caminho para a resistência da classe trabalhadora passava por aí: “que todos os homens se capacitem que isolados nada valem, assim como nada fazem, mas sim tudo conseguem quando coletivamente organizados”.

III.

Quem era Júlio Ferreira de Matos?

Nascido no Porto, em 1888, salientou-se por volta de 1920 como dirigente do novo Sindicato Único das Classes Metalúrgicas de Lisboa, que veio unificar operários que antes estavam divididos em várias organizações, de diferentes ofícios do mesmo sector.

Este importante sindicato contou com vários dirigentes ilustres como Francisco Viana, José de Sousa ou Emídio Santana. E foi um foco de cultura: nele funcionou uma escola de A Voz do Operário e uma secção da Universidade Popular Portuguesa.

Nos trabalhos recentemente concretizados na biblioteca de A Voz do Operário foi possível identificar e reunir um precioso espólio com 112 volumes que pertenceram à biblioteca deste sindicato. Seguramente bastante incompleto, constitui ainda assim uma importante amostra do que eram as bibliotecas sindicais da época, com um acervo não apenas de cariz sindical, político e associativo, mas também cultural, técnico e científico.

Como foi frequente acontecer a sindicalistas sob o regime da 1ª República, Júlio Ferreira de Matos foi então várias vezes preso político:

– em 1919, “por se manifestar contra o governo e gritos subversivos”.

– em 1920, “por ordem superior”;

– em 1921, quando se preparava para realizar uma palestra no sindicato dos mineiros de Aljustrel;

– em 1923 acusado de ser um “bombista perigoso”;

– e em 1924 “por ser agitador”.

Como muitos outros sindicalistas da sua geração, voltou a ser preso político no tempo do fascismo. No seu caso, em 1937, por auxiliar militantes clandestinos.

A dada altura, Júlio Ferreira de Matos tinha ido trabalhar para o Arsenal do Exército. E também aí se notabilizou como dirigente sindical, cooperativista e mutualista. Foi ainda presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses.

Faleceu em 1948, sendo então recordado como um “operário metalúrgico muito sabedor e inteligente”, um “dos elementos mais activos e organizadores da sua classe” e “um dos dedicados amigos” de A Voz do Operário.

IV.

No ano do centenário do Partido Comunista Português, recorde-se que Júlio Ferreira de Matos foi um dos seus principais fundadores, como membro da comissão organizadora formada em Dezembro de 1920. 

Admirador da Revolução Russa, esteve depois entre os vinte e um subscritores do manifesto que deu origem à corrente sindical afecta ao PCP, em maio de 1923. E ainda nesse ano, presidiu à sessão de encerramento do 1º congresso do PCP.

Júlio Ferreira de Matos é um exemplo dos fundadores e primeiros dirigentes do PCP que depois, sob a ditadura, foram presos políticos antifascistas.

Foi esse o caso de:

– 39% dos membros da comissão organizadora;

– 40% dos membros da primeira direção, a “Junta Nacional” eleita em março de 1921;

– 60% dos membros do “comité central” eleito na conferência nacional de março de 1923;

– e 43% dos membros das direções eleitas nos congressos de novembro de 1923 e maio de 1926.

Estes são números corrigidos e numa contagem ainda por baixo.

Contabilizando exemplos como o de Júlio Ferreira de Matos, ilustram as raízes antifascistas dum partido que nasceu sobretudo no seio do movimento sindical.

Artigos Relacionados