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aniversário

Centenas no aniversário d’A Voz

Foi no passado dia 29 de fevereiro, e com casa cheia, que muitos sócios, amigos e representantes de diversas entidades sociais e políticas celebraram os 137 anos d’A Voz do Operário, numa noite em que se evocou o jornal que lhe deu origem, pelos seus 140 anos.

Centenas de pessoas puderam assistir ao momento em que foi inaugurado um painel exterior alusivo aos 140 anos do mais antigo título operário em papel, da autoria de Tiago Albuquerque, e receberam pela mão de dezenas de crianças a última edição desta publicação com uma ilustração de Patrícia Guimarães.

Durante o jantar, o presidente d’A Voz, Manuel Figueiredo, destacou o passado, o presente eo futuro de resistência.


Domingos Lobo, escritor e diretor do jornal, leu um poema de sua autoria, em homenagem à publicação centenária.

O escritor e diretor do jornal A Voz do Operário, Domingos Lobo

eis o tempo da dignidade e da coragem
de A Voz que se abria a quem, durante séculos, a voz calara
açodada de medos e de injúrias, de trabalhos e pestes
de degredos e fome trabalhos dobrados sobre o medo
eis o tempo em que a fronte se ergue e olha o dia claro e tangível
nas páginas de um jornal. era, finalmente, A Voz
que nos caminhos da Índia se perdera
que nas galés sofrera de escorbuto e febres
nas bolanhas da Guiné perdida, nas roças do Brasil
sonhando árvores de patacas e de engano, sucumbira
que não sabia de Camilo, de Eça, de Ramalho, de Bordalo
que os não sabia ler, sequer garatujar o nome próprio
gerações perdidas nos fumos de um país à deriva
voz trespassada por balas baionetas trincheiras de enxofre
País de arranjinhos e vistas curtas, injusto e trauliteiro
A Voz que sabia das fomes de um tempo de incertezas
e curto amanho, trabalhar o tabaco que lhes rebentava os pulmões
e as entranhas dos que tinham os dias e os gritos, até a tosse,
vigiados e os filhos cegos, como eles, às palavras que libertam
de quem tinha por arma só os braços e a força que neles habita
a vontade de os erguer além de um chão de cinza e maus agoiros
eis 1879, o tempo chegado da mudança
o querer visionário de Custódio Braz Pacheco e tantos outros
o Povo miúdo os operários e os filhos deles
que começaram a juntar as letras aprendendo a ler os livros que os
pais não sabiam de tão vergados ao escuro na labuta tabaqueira
estavam lá a escola, os livros, as palavras, os saberes
a febre de vencer os muros da indiferença
tinham de novo recuperada A Voz perdida em Alcácer Kibir
depois suspensa e vigiada a lápis azul cárceres e ignomínia
durante 48 anos de noite espessa
mas estava lá nesse rumor fundo das grandes viagens
que transformam o Mundo
uma Voz A Voz plasmada em caracteres de jornal
A Voz inquieta e a inquietar aberta ao pensamento
dos que traziam nos dedos a ousadia
de moldar as palavras em chumbo e substância
a suprema capacidade dos justos
que se negam à iniquidade do seu tempo
estavam lá nesse rumor antigo e laborioso
os sinais mais perenes da dignidade a nossa condição primordial
a palavra saída das oficinas, da ganga, dos braços
da tinta, do óleo, do fulgor das máquinas
das mãos obreiras e hábeis de muitos artesãos do sonho
transformando o papel numa Voz A Voz colectiva
A Voz modelando no corpo de um jornal uma força imensa
uma Voz que se escrevia/escreve com orgulho
ao alto em parangonas na primeira página
A Voz geradora, consciente, corajosa e libertária
que gritava à cidade: estamos vivos e escrevemos Futuro!
o Futuro que trouxe para as ruas de Lisboa numa manhã de Maio
as palavras que habitavam as ideias justas
A Voz rasgando as trevas
junta com milhares de outras vozes plurais e livres
fecundando o tempo o nosso tempo


Domingos Lobo

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