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Amália Rodrigues: “Eu sou a toalha que eles põem na mesa quando têm visitas”

Quando saiu a notícia da morte da fadista, a figura mais importante da literatura portuguesa, José Saramago, revelou em Paris que Amália Rodrigues “celebrada pelo salazarismo” fez chegar dinheiro ao Partido Comunista Português, então na clandestinidade. Foram estas declarações que serviram de mote para uma investigação do jornalista Miguel Carvalho de mais 60 páginas publicada agora na revista Visão.

“Tinha a noção de que havia algum pano para mangas. Ou seja, de que a Amália não se teria limitado a acudir a uns pobrezinhos ou a umas famílias de presos políticos. Concentrei-me no período da ditadura e a dimensão do que encontrei ultrapassou tudo o que eu pudesse imaginar”, confessou Miguel Carvalho ao jornal Contacto.

Mas o jornalista insistiu que este trabalho jornalís- tico não pretendeu colocar qualquer rótulo na fadista. “Ninguém está aqui a dizer, nem eu o digo em parte al- guma, que a Amália era de esquerda ou era antifascista. A verdade é que também não se pode dizer que ela se limitasse muitas vezes a atos meramente solidários e inconscientes”.

De acordo com a Agência Lusa, na investigação, feita com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, são apresentados documentos oficiais que tanto confirmam que Amália Rodrigues foi vigiada pela PIDE, a polícia política da ditadura do Estado Novo, por suspeita de apoio aos comunistas, como revelam que manteve atitudes ambíguas com o regime.

Desde o fim dos anos 40 até às portas do 25 de abril de 1974, a cantora manteve laços com a esquerda intelectual que se opunha ao regime e com muitos comunistas com a “consciência clara de que eram perseguidos e presos”.

Um dos 80 testemunhos recolhidos é o do histórico político comunista Domingos Abrantes que afirmou ser “um facto confirmadíssimo” que Amália Rodrigues, por exemplo, ajudou o MUD Juvenil (Movimento de Unidade Democrática).

“Ela sabia para o que estava a dar”, garantiu Domingos Abrantes, 83 anos. “E nessa época de grande repressão, tudo o que era mais ou menos organizado estava ligado ao PCP. O resto é conversa”, opinou.

Os testemunhos reunidos convergem na ideia de que Amália Rodrigues apoiou por diversas vezes, com dinheiro, portugueses exilados, protegeu amigos anti-fascistas e tentou influenciar a libertação de presos políticos, nomeadamente de Alain Oulman, o compositor com quem colaborou nas décadas de 60 e 70.

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