No dia 19 de setembro, no âmbito do Festival Todos, os alunos d’A Voz do Operário apresentaram o espetáculo Nós e os Outros, encenado por Bruno Cochat. O espetáculo resultou de um trabalho em torno do conto Os Barrigas e os Magriços, de Álvaro Cunhal.

Da sala de aula para o festival

Tudo começou há um ano, com o objetivo de integrar nos conteúdos escolares a celebração dos 40 anos do 25 de Abril. Sandra Pina Pereira, coordenadora pedagógica do 2.º ciclo d’A Voz do Operário, conta que “desde o início que se pretendeu que este fosse um projeto anual e interdisciplinar.” E as metas foram, desde logo, definidas. “Estipulámos dois produtos finais: uma apresentação à comunidade, usando a área de expressão dramática [que teve lugar em junho], e a edição de um livro. Foi com grande satisfação que percebemos que os conseguiríamos cumprir”.

Posteriormente, o coreógrafo Bruno Cochat (que é também professor de expressão dramática do 2.º ciclo) recebeu o convite para ser artista convidado no Festival Todos e percebeu que havia uma relação entre a questão central da peça e a proposta do festival. Para a versão apresentada no festival, Bruno Cochat optou por não localizar a ação explicitamente no 25 de abril. Os “Barrigas e os Magriços”, deram lugar aos “Nós e os Outros”, explorando sempre a dicotomia dos lados, instigando reflexões e interpretações. Bruno Cochat destaca o recurso a frases ambíguas (“num país distante, ou não”; “há muito tempo, ou não”) que tiveram como intuito provocar um questionamento sobre a fragilidade dos direitos e liberdade que damos como adquiridos no presente.A organização do espaço do espetáculo também foi pensada para criar uma maior imersão na narrativa. “Gosto muito desta ideia de fazermos um espetáculo no meio das pessoas, e curiosamente nesta versão resolvi pôr o público em dois lados opostos, remetendo à temática do espetáculo. O público vê o outro lado do público, e vê sempre um lado das coisas: nunca nos podemos esquecer que só vemos um lado. Mesmo quando temos ideia que somos muito isentos. As coisas só se tornam certas quando temos todos os mesmo direitos”.

O espetáculo contou com o acompanhamento musical do pianista Filipe Raposo. O músico integrou o projeto numa fase avançada, quando estava já definida uma estrutura, o conteúdo dramático e existia uma proposta de repertório seleccionado pelo encenador. Assim, coube a Filipe Raposo dar o seu contributo na releitura da intenção dramatúrgica demonstrada pelo encenador. “Tentei perceber quais as caraterísticas principais daqueles temas e fazer a minha leitura musical de forma a poder usar os meus próprios temas e interpretações.” Desta experiência, Filipe Raposo destacou ainda a relação entre a escola e os alunos, naquilo que caracterizou como uma troca saudável de ideias: “Havia um gesto de partilha muito interessante, uma verdadeira democracia no uso da palavra, sem receio e sem medo de críticas, abrindo o coração para aqui que sentiam. Fiquei muito impressionado”.

Nós e os Outros, o livro

O trabalho em torno do conto de Cunhal resultou num livro, numa parceria entre A Voz do Operário e a editora Página a Página – já responsável pela edição do conto Os Barrigas e os Magriços. Trata-se da adaptação da mesma história e respetivas ilustrações, elaboradas pelos alunos, que tiveram a oportunidade de trabalhar com o acompanhamento da ilustradora Susana Matos, responsável pelas ilustrações do conto de Álvaro Cunhal.

Histórias com os idosos do centro de convívio

Outra das vertentes que a parceria entre a Voz do Operário e o Festival Todos incluiu foi o trabalho com os idosos, utentes do serviços d’A Voz do Operário. O projeto Arquivo Diários procurou levar a cabo um trabalho em torno das memórias afetivas. Ao longo de três sessões, foram recolhidas memórias autobiográficas com vista à construção de um portefólio.

Os músicos Pedro Salvador e Mariana Badan foram responsáveis por levar música a casa de 5 utentes do apoio domiciliário e ao centro de convívio. Rita Governo, diretora de Serviços Sociais d’A Voz do Operário valoriza esta parceria, com resultados surpreendentes junto de uma população muito isolada. “ Todas as pessoas a quem levámos o projeto demonstraram que ganharam muito com aquela interação. A música tem um poder incrível sobre as pessoas. No ano passado houve uma senhora, que nunca vai à rua porque teme desequilibrar-se, que na primeira música se levantou para dançar sozinha. Acabam por ser momentos de muita partilha”.

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