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Nos 50 anos da Escola de Cinema, um destaque: A juventude rebelde de uma Lisboa universal em “Nuvem”

A Cinemateca Portuguesa dedicou parte da sua programação de Julho à Escola Superior de Teatro e Cinema, que comemora cinquenta anos de existência.

“Nuvem” (1991), de Ana Luísa Guimarães

Foram exibidos filmes feitos por alunos da primeira geração que frequentou a Escola (ainda ligada ao Conservatório Nacional), a obras mais recentes, todas produzidas em contexto escolar. Foram ainda alvo de visionamento obras que professores emblemáticos mostravam nas aulas, como o “A Desaparecida”, de John Ford, ou “O Carteirista” (1959), de Robert Bresson, que o cineasta António Reis fazia questão de estudar com os seus discentes. Aconteceram debates sobre a Escola de Cinema, com a participação das várias gerações, realizadores e profissionais das várias áreas técnicas que a instituição fez nascer para o cinema português desde 1973.

Noutro eixo da programação estiveram as primeiras longas-metragens de alunos das primeiras gerações, feitas fora da Escola. Destas, destaca-se “Nuvem”, filme muito pouco visto, conhecido e divulgado da cinematografia nacional, de 1991, realizador por Ana Luísa Guimarães, antiga aluna da Escola e professora da mesma ao longo de muitos anos. O que tem de especial esta obra? Em primeiro lugar, a forma única como olha para Lisboa. Sem nunca dizer onde estamos, “Nuvem” conduz-nos a lugares por onde passámos e circulamos, e que se transformaram ao longo destes idos anos. “Nuvem” traça o retrato de jovens que, também por aqui – e parafraseando a frase inicial de “Os Filhos da Noite” (1948), primeiro filme de Nicholas Ray (que serviu de inspiração para a cineasta) – “nunca foram propriamente introduzidos ao mundo em que vivemos”. Porque quando se está a entrar na vida, tudo é torrencial, e, nessa corrida, o mínimo gesto pode provocar uma morte e as suas consequências imparáveis.

Tomás, o jovem torrencial do cinema português

Tomás (Afonso Melo) tenta lidar com uma existência desconjuntada, daí se unir e ser líder de um grupo que faz assaltos, em que cada um dos seus elementos tenta sobreviver numa cidade que parece não dar conta deles, até esse acontecimento trágico. Depois da perseguição nocturna (que nos leva para junto do Tejo, ao jardim de Santa Clara, ao Panteão, e que se assemelha a uma coreografia, dada a forma como está magnificamente filmada), Tomás e o grupo tentam continuar como se a vida pudesse ser vivida na corda bamba.

Ao mesmo tempo, o jovem aproxima-se de Laura (Rosa Castro André), a cândida empregada de restaurante. Laura pode tê-lo visto no último momento em que o amigo cai da ponte, e acusá-lo de um crime que não cometeu. Nunca no cinema português vimos tão doce rapariga, que nasce para a vida a partir do momento em que um rapaz a convida para comer um gelado e dançar no Dramático. Mas Tomás só quer perceber se ela o pode incriminar; e Laura, sem saber, só se quer apaixonar, passear e ser feliz ao lado dele.

Tudo se precipita. Tomás é o motor dessa precipitação por uma Lisboa veloz e que, simultaneamente, não consegue dar conta dos problemas que se abatem sobre estes ainda não-adultos, com problemas maiores que os adultos. São os mais velhos que os perseguem, são os mais velhos que já não conseguem viver ao ritmo alucinante e arriscado deles. São os mais velhos que tentam impedir a união do par (já não se conseguem apaixonar também), e que provocam a tragédia final, na noite do Cabo da Roca.

No fundo, Tomás só queria ser amado e protegido. O mundo assustador em que um acidente provoca uma tempestade aconteceu, e, como uma avalanche, levou todas as possibilidades de ele perceber que, com Laura, podia ter vivido tudo de outra maneira. Sem lutas, sem fugas, sem facadas, sem casamento apressado, sem pensões onde se esconderem na lua-de-mel.

Ana Luísa Guimarães é magnífica na direcção de actores. Nem uma falha nas interpretações. Ana Luísa Guimarães planificou de forma audaciosa e milimétrica um filme que tem um ritmo imparável. Ana Luísa Guimarães pensou detalhadamente em cada espaço para filmar uma Lisboa que vai desde Santa Apolónia ao bairro do Alvito.

Uma pergunta fica: por que é que certas obras do cinema português não são mais vistas, divulgadas e discutidas como “Nuvem”? A prova de que existe uma certa intemporalidade na arte, mesmo quando uma cidade muda, quando o próprio modo de fazer cinema muda. Porque, em última análise, o que conta é a verdade das emoções de uma juventude em sobressalto. E isso, Ana Luísa Guimarães soube filmar.

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