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Quando a PIDE prendeu o diretor d’A Voz do Operário

No dia 16 de Maio de 1947, a PIDE prendeu o então diretor d’A Voz do Operário, Raul Esteves dos Santos. Ele até estava doente e recolhido em casa há já algumas semanas. Mas o seu nome surgiu nuns “documentos apreendidos” e tornou-se suspeito de estar envolvido em “atividades conspiratórias” de um “movimento revolucionário” para derrubar a ditadura. Foi um processo que visou 24 democratas, entre os quais o advogado Vasco da Gama Fernandes, que viria a ser o primeiro presidente da Assembleia da República, e o jovem comunista Carlos Pato, que seria três anos depois assassinado pela PIDE.
Não aconteceu por acaso. Raul Esteves dos Santos era um velho democrata republicano e assumido opositor à ditadura.

Fundador do MUD

Em 8 outubro de 1945 o diretor d’A Voz do Operário participou na fundação do Movimento de Unidade Democrática (MUD), ao lado de outros diretores de imprensa ligada à oposição à ditadura, como a revista Seara Nova, os jornais República e Democracia do Sul – respetivamente Luís Câmara Reis, Jaime Carvalhão Duarte e Vitor Santos.

Na edição imediata, com data de 4 de novembro, A Voz do Operário assumiu a sua “simpatia e aplauso” pelo surgimento do MUD. E afirmou que era essa “a tradição deste jornal”.

A retaliação não se fez esperar e logo no dia seguinte, 5 de novembro, as “autoridades” proibiram em cima da hora uma conferência promovida pel’A Voz do Operário sobre “A Educação do Povo”, a ser proferida pelo professor António Ferreira de Macedo, fundador da Universidade Popular Portuguesa e também envolvido no MUD.

Como regime de tipo fascista, a ditadura de Salazar vacilou um pouco perante a derrota das ditaduras fascistas alemã e italiana na 2ª Guerra Mundial, nesse ano de 1945. Foi nessa conjuntura que nasceu o MUD. Por um momento a censura abrandou e Salazar prometeu eleições livres. Mas não passou de uma encenação para segurar o poder e logo recrudesceu a repressão.

Revolucionário do 5 de Outubro

Raul Esteves dos Santos nasceu em Lisboa em 1889. Os nomes das escolas que frequentou sublinham as suas origens humildes: Asilo da Infância Desvalida e Escola da Caridade. Desenvolveu a sua carreira profissional como funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, da CP – Comboios de Portugal e da Direção-Geral de Caminhos de Ferro.

Foi um “revolucionário civil” na implantação da República, em 5 de Outubro de 1910. Fez então parte do grupo que foi buscar a guarda do Parlamento e que prendeu um dos ajudantes do Rei.

Raul Esteves dos Santos defenderia sempre o 5 de Outubro como “um ato revolucionário em que o povo foi o principal protagonista”, animado “por um Grande ideal”.

No tempo da 1ª República o futuro diretor d’A Voz do Operário foi mobilizado como militar para a 1ª Guerra Mundial e desempenhou o cargo de secretário do “primeiro-ministro” António Granjo, (em 1921), de dois ministros e de dois governadores civis de Lisboa. Teve uma primeira experiência como diretor de um jornal, chamado O Grito do Povo.

Três vezes preso político

Antes de ser preso pela PIDE em 1947, Raul Esteves dos Santos já tinha sido preso por motivos políticos uma primeira vez em 1918, sob a breve ditadura de Sidónio Pais. O motivo registado foi “por suspeita [de] conspirar contra o actual governo”.

Voltou a ser preso político em 1930, numa rusga policial ao seu escritório. Foi então apanhado com cerca de trezentos exemplares de um “escrito clandestino”. Eram reproduções de uma carta da prisão escrita pelo republicano Francisco Cunha Leal.

Dessa vez Raul Esteves dos Santos ficou preso por duas semanas. Em 1947 passou 20 dias na Penitenciária de Lisboa. Quando saiu em liberdade, A Voz do Operário noticiou o caso da forma que na altura era possível, perante a censura: “Após prolongada ausência motivada em parte por doença, tivemos o prazer de ver regressar às suas funções o nosso querido amigo e director”.

Associativismo

Raul Esteves dos Santos dirigiu o jornal A Voz do Operário em 1931/33, 1944/45 e 1947 – datas em que também presidiu à direção da Sociedade de Instrução e Beneficiência A Voz do Operário. Neste jornal escreveu essencialmente sobre ensino, associativismo, história do trabalho e história d’A Voz do Operário.

Foi também presidente da Federação das Sociedades de Educação e Recreio, da Sociedade de Instrução de Campo de Ourique, além de diretor da Revista Portuguesa de Comunicações e dirigente dos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique.

Democratas republicanos

Raul Esteves dos Santos é representativo do importante conjunto de democratas republicanos que durante a ditadura tiveram um papel destacado na Sociedade A Voz do Operário, à qual se uniram pela causa da educação e por encontrarem aqui um espaço de liberdade. Nomes como o poeta Alfredo Guisado, antigo companheiro de Fernando Pessoa no grupo Orfeu; ou António Lomelino, presidente do Centro Escolar Republicano Almirante Reis, a associação onde foi fundado o MUD.

Note-se ainda que entre 1949 e 1953 o jornal A Voz do Operário teve um outro antigo preso político como diretor: Domingos da Cruz. Este marinheiro e maçom, deputado da 1ª República, foi preso e esteve deportado entre 1930 e 1932, primeiro nos Açores e depois em Cabo Verde – ainda no período inicial de ditadura militar.

Deram o seu contributo para que A Voz do Operário sobrevivesse à ditadura e mantivesse a sua tradição democrática.

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