O ‘Dia do Fogo’ continua a fazer vítimas em Novo Progresso, no sudoeste do Pará. As ameaças repetem-se no “Direita Unida Renovada” e “Caneta Desesquerdizadora” da extrema-direita, no WhassApp. Os panfletos circulam na cidade. Pedem a cabeça do jornalista que denunciou o movimento ‘Sertão’ apoiado por 80 produtores rurais do Norte do país para “limpar” a maior floresta tropical do mundo. Ao Amazónia Real, Adecio Piran descreve uma “situação lamentável”. Os anunciantes do Folha do Progresso estão a ser coagidos. “As ameaças vêm de todas as partes”. A suspeita de fogo posto está nas mãos da Polícia Federal. O Ministério Público reconhece indícios de “ação orquestrada” por “pessoas que já exercem pressão sobre região”, embora assuma que vai ser difícil encontrar culpados. Pressionado, até Jair Bolsonaro, que atribui os incêndios a um ataque pessoal das ONG, pede uma “investigação rigorosa”. Entretanto, o The Guardian revelou que o governo não só sabia como desvalorizarou as denuncias. Reduzido a três vigilantes na região, fruto da política de desinvestimento ambiental, o Instituto do Meio Ambiente ainda pediu a intervenção do ministério da justiça de Sérgio Moro que ignorou os alertas. No anunciado 10 de agosto, registaram-se perto de 280 focos de incêndio só entre Novo Progresso e Altamira, num crescendo que, ao fim de três dias ultrapassou os 500. À Sky News, os bombeiros asseguram que 90% dos incêndios tiveram mão humana.
Queimada prometida
Nas imagens de satélite, o Pará é um grão no deserto. Destapa, neste contexto, os interesses que se movem atrás da cortina de fumo. O alegado grupo pago para “tacar terror” tinha instruções para fazer das margens da autoestrada um rastilho. A ideia era atingir os 1,3 milhões de hectares da Floresta Jamanxim, palco de disputas territoriais, não fosse a segunda maior quando o assunto é desflorestação. Certo é que as queimadas, que incluíram o Pará na lista dos sete estados que declararam emergência, foram, em si mesmas, um sinal de descontentamento do agronegócio que cobra a Bolsonaro as promessas que lhe valeram o apelido de Capitão Motosserra. “Precisamos mostrar para o Presidente que queremos trabalhar e o único jeito é derrubar. Para formar e limpar nossas pastagens é com fogo mesmo”, assumia um líder do grupo ‘Sertão ’ao jornal do Novo Progresso que, curiosamente, à semelhança de tantas outras cidades às portas da Amazónia, nasceu algures nos anos 70, em plena ditadura, maior motor de destruição da floresta que entre estradas, produções agrícolas e indústria perdeu à época 14 milhões dos pelo menos 70 milhões de hectares que os especialistas dão como “terra queimada” no berço de mais 40 mil espécies de plantas, 1,3 mil variedades de aves e 426 tipos diferentes de mamíferos, ameaçados pela devastação.
Amazónia “great again”
No estado de Rondônia, os hospitais registaram um aumento de 70% no atendimento a problemas respiratórios. Mais que o pulmão do planeta, a Amazónia começa a falhar ao Brasil. Está na origem da tensão diplomática com Emmanuel Macron que, alinhado ao coro de críticas à atuação de Bolsorano, foi convidado a “replantar a Europa” com os €20 milhões que o G7 doou à floresta. Alemanha e Noruega congelaram a participação no Fundo Amazónia. Aliado de primeira hora, o mesmo Donald Trump que em março, na primeira deslocação do “capitão” aos EUA, assinou um acordo que prevê a exploração comercial da floresta tropical, desdramatiza. Diz que a relação entre os dois países está “mais forte que nunca”, numa altura em que o The Intercept revela que duas das empresas com a “parcela mais significativa da destruição em curso” na Amazónia são controladas precisamente pelo maior patrocinador do presidente, Steve Schwarzman.
Área ardida triplica
Os números apontam mais responsáveis. Só em julho, a área ardida é quase três vezes maior do que em 2018. Aumentou 278% em comparação com o mesmo mês do ano passado. O líder do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais brasileiro foi demitido depois de divulgar os números que mostram o rastro do governo que tomou posse no primeiro dia do ano. É “fazer as contas”, nas vésperas da revisão das regras para o licenciamento ambiental, no congresso, e da legalização do minério em terras indígenas. 200 reservas continuam ameaçadas. Das mais de 100 tribos da Amazónia, muitas nunca tiveram contacto com o exterior.