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A caminho das eleições legislativas

Não são eleições para escolher o primeiro-ministro ou o governo. São quase 11 milhões os eleitores que têm encontro marcado para eleger 230 deputados à Assembleia da República a 6 de outubro.

As primeiras eleições livres, depois de quase meio século de fascismo, realizaram-se a 25 de abril de 1975, um ano depois da revolução. Mais de 91% dos eleitores acorreram às urnas em filas intermináveis, num processo que mobilizou o país para a escolha dos representantes para a Assembleia Constituinte, que não iria formar governo mas elaborar e aprovar a Constituição da República Portuguesa no ano seguinte. Com a publicação dos resultados provisórios, o DN inscrevia na primeira página: “Confirmada a via socialista”.

Volvidos 44 anos, o PS procura discretamente uma maioria absoluta que lhe permita desatar as mãos de entendimentos com outras forças políticas. À esquerda luta-se pelo melhor resultado possível para determinar um rumo diferente para o país e, à direita, PSD e CDS-PP tentam não reeditar um desastre eleitoral. A corrida eleitoral que começa oficialmente este mês promete encher as ruas de candidatos e propostas que vão determinar muitas das escolhas de quem vota. A 22 de setembro, no mesmo dia em que se realizam as eleições regionais na Madeira, começa o período da campanha que dura até dia 4 de outubro.

São quase 11 milhões os eleitores que têm encontro marcado com as eleições legislativas a 6 de outubro. Se a participação democrática é muito mais do que a ida às urnas, o momento em que se introduz o boletim de voto é também uma escolha que pode determinar mudanças e uma forma de avaliar o que pensam os que votam. Importa, pois, clarificar o que são as eleições legislativas e que funções desempenha o órgão para o qual os deputados vão ser eleitos.

Abstenção quase sempre a subir

Em 1976, a eleição dos 263 deputados à primeira Assembleia da República teve a participação de 83% dos portugueses inscritos para votar, já menos 8,9% do que no ano anterior. Em 43 anos, já se realizaram 15 eleições legislativas e, salvo raras exceções, o nível de afluência às urnas é cada vez menor. Há quatro anos, foi registado o valor mais elevado de abstenção neste tipo de eleições em Portugal. Apenas 55,8% dos eleitores decidiram participar num plebiscito que deu muito que falar porque o partido mais votado não foi o que acabou por formar governo. Porquê? Já lá vamos. Mas importa referir que outro dos equívocos que circula frequentemente é o mito de que se a abstenção, os votos nulos ou os votos em branco forem superiores a 50%, as eleições não serão válidas. Não é assim. Nas segundas eleições presidenciais que deram a vitória a Cavaco Silva, só votaram 46,5% dos eleitores e o então Presidente da República foi empossado para um segundo mandato. O facto é que no plano eleitoral a abstenção significa sempre que as escolhas que determinam o destino de todos são feitas por menos pessoas.

Eleições para primeiro-ministro ou governo?

Nem uma coisa nem outra. Outro dos equívocos frequentes é a ideia de que as eleições legislativas servem para os eleitores escolherem o primeiro-ministro ou o governo. Em noticiários, tempos de antena e até em alguns programas escolares, apresentam-se líderes partidários como candidatos a chefiar o governo e não como potenciais deputados. Em outubro de 2015, quando a coligação formada pelo PSD e CDS-PP conseguiu chegar à meta eleitoral em primeiro lugar, alguns órgãos de comunicação social e os líderes destes dois partidos insistiram que o primeiro-ministro deveria ser, novamente, Pedro Passos Coelho.

Afinal, como se processa a formação do governo? Depois de eleitos os 230 deputados, o Presidente da República tem de ouvir todos os partidos com assento parlamentar, mesmo que tenham apenas um deputado. Ou seja, também as forças que não podem formar grupos parlamentares. Na sequência dos resultados eleitorais, o Presidente convida a pessoa que se considere ter melhores condições para formar governo e cumprir o mandato de quatro anos.

Foi ao arrepio deste preceito constitucional que o então Presidente da República Cavaco Silva chamou o líder do PSD para formar governo, tentando omitir que não havia uma maioria de deputados que apoiasse esta opção. Embora a coligação de direita fosse a que reunia maior número de deputados, não tinha mais deputados que todos os outros partidos juntos. A maioria dos eleitores que acorrera às urnas deu o seu voto a forças políticas que se opunham a Pedro Passos Coelho o que acabou por ditar a derrota da coligação Portugal à Frente.

Foi assim que, 11 dias depois de ter sido empossado, Pedro Passos Coelho viu a maioria dos deputados eleitos aprovar uma moção de rejeição que fez cair o seu governo. A queda de um executivo antes do fim do mandato não é exceção em Portugal. Na verdade, dos 21 governos que o país teve desde 1976, só seis chegaram ao fim. O ex-líder do PSD tornou-se recordista com o executivo mais curto da história. O governo empossado não chegou a entrar em funções, tendo governado apenas em gestão corrente.

Foi no dia 24 de novembro que António Costa, deputado eleito pelo PS, foi indigitado por Cavaco Silva. Com base em entendimentos assinados bilateralmente pelo PS e os diferentes partidos à sua esquerda, BE, PCP e PEV, e ainda o PAN, dois dias depois, o XXI governo constitucional tomou posse na Assembleia da República. Agora, quatro anos depois, os eleitores voltam a escolher a composição da Assembleia da República.

Círculos eleitorais

Em 1975, quando a Constituição da República Portuguesa foi aprovada por todos os partidos com assento parlamentar, à exceção do CDS-PP, os deputados constituintes decidiram que os processos eleitorais se dessem através do voto pessoal, direto, presencial, secreto e universal, utilizando o método de Hondt. Mas como em todos os processos, há sempre arestas a limar. Por exemplo, só nas últimas eleições ao Parlamento Europeu é que, pela primeira vez, os eleitores cegos puderam votar através de uma matriz de um boletim de voto redigido em braille. Até então, tinham de ir às urnas acompanhados de alguém de confiança que escolhesse por eles a opção eleitoral.

Em Portugal, existem 22 círculos eleitorais, 20 em território nacional e dois para a emigração (um para a Europa e outro para o resto do mundo). Os eleitores de cada círculo plurinominal eleitoral elegem um número diferente de deputados correspondente à população de cada zona. Este ano, por exemplo, Guarda e Viseu perdem um deputado cada. Já Lisboa e Porto ganham esses dois deputados.

Embora sejam os que garantem mais pluralismo e representatividade partidária, os círculos plurinominais não são unânimes. O PS voltou a inscrever no seu programa eleitoral a criação de círculos uninominais. Ou seja, círculos de apenas um deputado, em que apenas o partido mais votado nessa zona eleitoral conseguiria eleger. “Reformar o sistema eleitoral para a Assembleia da República, introduzindo círculos uninominais, sem prejuízo da adoção de mecanismos que garantam a proporcionalidade da representação partidária, promovendo o reforço da personalização dos mandatos e da responsabilização dos eleitos, sem qualquer prejuízo do pluralismo”, afirma o partido que atualmente governa o país. O PSD que no princípio do ano falava em círculos uninominais apresenta agora uma solução intermédia – círculos plurinominais mais pequenos – mas vai mais além e propõe a redução do número de deputados na Assembleia da República, uma solução que diminuiria a representatividade dos eleitores no parlamento. À esquerda do PS, BE, PCP e PEV contestam as medidas por alimentarem o bipartidarismo e o fim do pluralismo na Assembleia da República. Longe de aproximar eleitos de eleitores, os círculos uninominais, pela experiência conhecida noutros países como o Reino Unido, acabam por condicionar o comportamento do eleitorado impondo a bipolarização artificial da representação política e limitam drasticamente o alcance prático do atual sistema de representação proporcional.

As funções da Assembleia
da República

Mas, afinal, para que serve a Assembleia da República? O parlamento tem funções legislativas e os deputados podem legislar sobre todas as matérias, exceto sobre aquelas que estão relacionadas com a organização e o funcionamento do governo. Há matérias sobre as quais só a Assembleia pode legislar. São as matérias de reserva absoluta de competência legislativa, de cujo âmbito faz parte a chamada constituição política – eleições e estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, organização e funcionamento do Tribunal Constitucional, partidos políticos, Orçamento do Estado, referendo, regime do sistema de informações da República e do segredo de Estado -, para além de outras, como as bases gerais do ensino e a defesa nacional.

Há outros temas que fazem parte do domínio reservado da competência da Assembleia da República, mas sobre as quais o Governo pode legislar mediante uma autorização parlamentar, no âmbito da chamada reserva relativa de competência legislativa. Direitos, liberdades e garantias, a definição de crimes e penas, as bases do sistema de segurança social, a criação impostos e sistema fiscal, bases da política agrícola, sistema monetário, arrendamento rural e urbano, estatuto das autarquias locais são as matérias abrangidas.

Os textos legislativos aprovados pela Assembleia da República são votados, em regra, por maioria simples, designando-se Decretos até serem publicados como leis, após promulgação e referendo. A aprovação de algumas leis, designadas Leis Orgânicas, exige uma maioria absoluta dos deputados em funções – por exemplo, às eleições para a Assembleia da República e Presidência da República, ao regime do referendo, à organização da defesa nacional.

A Assembleia tem em exclusivo a iniciativa e a competência para a revisão da Constituição. As leis que aprovam alterações à carta magna, na sequência de um processo de revisão constitucional da exclusiva iniciativa e competência dos deputados, designam-se Leis Constitucionais e têm de ser aprovadas por maioria de dois terços dos representantes em funções.

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