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Segurança Social

Os equívocos de quem põe em causa a sustentabilidade da Segurança Social

Os números são esclarecedores: a Segurança Social está bem, mas é necessária mais eficaz fiscalização à fraude e evasão contributiva e recomendam-se mais formas de financiamento. O contributo da imigração é positivamente relevante para o saldo.

“O atual sistema de Segurança Social português está saudável”, diz-nos Isabel Quintas do Conselho Económico Social. E os números parecem confirmá-lo. Para Fernando Marques “há condições de sustentabilidade social”, porque, sustenta o economista, remetendo para o relatório sobre esta matéria da autoria da CGTP-IN, “os indicadores de que dispomos apontam para o aumento de contribuições, um excedente bastante elevado, que atinge o máximo em 2023 e, portanto, a nossa perspetiva é a de que, se houver criação de emprego e aumento de salários não se pode pôr em causa a sustentabilidade da Segurança Social”.

Também Eugénio Rosa refere, citando dados da Direção Geral do Orçamento (DGO), que entre 2015 e 2022, “a Segurança Social acumulou saldos positivos na ordem dos 18 mil milhões de euros”. E, refere ainda o economista, neste mesmo período, “o Fundo de Estabilização Financeira aumentou de 14.100 milhões para 24.600 milhões”.

Citando o relatório da CGTP-IN sobre fontes de financiamento da Segurança Social, “O sistema público de segurança social desempenha um papel fundamental na garantia da segurança económica dos cidadãos e na manutenção da coesão social, ao assegurar rendimentos de substituição em caso de doença, desemprego, maternidade e paternidade, invalidez, velhice ou morte, bem como no combate à pobreza e à exclusão social, cujos níveis seriam muito mais elevados sem as transferências sociais no âmbito deste sistema”. Estas finalidades, refere o relatório, “são satisfeitas por dois sistemas: o Sistema Previdencial (SP ou sistema contributivo) e o Sistema de Proteção Social de Cidadania (SPSC), não contributivo”, em que o primeiro tem o propósito de “assegurar rendimentos de substituição de rendimentos do trabalho perdidos pela emergência de riscos e, o segundo, combater a pobreza e a exclusão social”. Ora, o modo de financiamento destes dois sistemas é distinto. O primeiro (SP) “é financiado essencialmente pelas contribuições de trabalhadores e empregadores” e o segundo (SPSC) “é financiado pelo Orçamento do Estado, por via de impostos”.

Ora, refere o economista, confundir é defender o caminho do assistencialismo. Como conclui o relatório citado, englobando tudo “indiscriminadamente no conceito de carga fiscal”, quer se trate de impostos ou de contribuições sociais, procura-se “diluir a fronteira entre estas duas realidades e fundamentar o argumento de que a segurança social, sendo financiada por todos através de impostos, só pode ser uma segurança social de mínimos”.

Já sobre a Caixa Geral de Aposentações (CGA), refere Eugénio Rosa, “é um sistema de financiamento radicalmente diferente do Regime Geral da Segurança Social”. Neste sistema, “nunca foi fixada uma taxa de contribuição a pagar pelos empregadores públicos de forma a garantir que, na data de aposentação do trabalhador, tivesse sido entregue à CGA o montante necessário, calculado atualmente, para garantir o pagamento da pensão”.

“Legislando em “causa própria”, sustenta o economista, “o governo estabeleceu desde 1929 (data da criação da CGA) um sistema diferente, que lhe era extremamente favorável. Cada ano, os serviços públicos pagavam uma pequena contribuição que, entre 1993 e 2004, variou entre 1,5% e 3,2% das remunerações pagas, e o Estado depois, através do Orçamento do Estado, transferia, para a CGA apenas o necessário que, adicionado às contribuições dos trabalhadores e dos serviços, fosse suficiente para pagar as pensões aos aposentados”. Ora, o próprio sistema de financiamento “determinou até 2004 – altura em que o número de trabalhadores no ativo era elevado (durante muitos anos superior ao número de trabalhadores aposentados) – as transferências reduzidas do Orçamento de Estado para a CGA.”. Traduziram-se numa “elevada ‘poupança’ para o Estado” permitindo-lhe “utilizar, para outros fins, meios financeiros que deviam ter sido ‘guardados’ e rentabilizados pela CGA, para pagar as pensões”. Isto causou, conclui Eugénio Rosa, “uma elevada descapitalização da CGA”.

Regressando à Segurança Social, o sistema, constata-se no relatório da CGTP-IN “sofreu diversas vicissitudes nos últimos 15 anos, frequentemente de sinal contrário”. E, salienta-se, “entre a primeira década dos anos 2000 até ao início do período de austeridade são aprovadas várias medidas, algumas de carácter estrutural, como a mudança da fórmula de cálculo das pensões, com a contabilização de toda a carreira contributiva, e o aumento da idade de acesso à pensão, que passou a variar em função da evolução da esperança média de vida, determinando o seu progressivo aumento”. Logo de seguida, durante a crise económica, de 2009 a 2015, na governação de Passos Coelho, verifica-se “um drástico plano de reformas, de carácter restritivo, que visam o desmantelamento do sistema de segurança social”, que se carateriza “por um crescimento lento das contribuições e a subida em flecha da despesa sobretudo com prestações de desemprego devido ao aumento brutal das taxas de desemprego, bem como pela introdução de um conjunto de alterações no sentido de restringir quer o valor, quer o acesso a várias prestações sociais”.

Já o período seguinte (2016), diz o documento, “saldou-se por uma “expansão do sistema de segurança social” em que as “contribuições cresceram a um ritmo muito acelerado (6,7% ao ano, o que contrasta com 0,9% no período de austeridade), o número de beneficiários das prestações de desemprego baixou acentuadamente em contraste com o período de austeridade, significando uma diminuição da despesa, e o saldo global passou de 1037 mil milhões de euros (MM€) em 2015 para 2596 MM€ em 2022”. Um período marcado pelo aumento do emprego e subidas salariais, particularmente do salário mínimo”.

Ainda assim, importa destacar o período de pandemia COVID-19, durante o qual, refere Isabel Quintas, fruto das medidas encetadas pelo governo, designadamente o Layoff, a Segurança Social foi penalizada em mais de mil milhões de euros. O Estado assumiu o compromisso de devolver esses valores, mas em dezembro de 2022 ainda se registava uma dívida de mais de 432 milhões, mais 263 Milhões por perdas de receita.

Estas medidas do governo, refere a CGTP-IN, “foram parcialmente cobertas por recursos internos do sistema de segurança social, violando normas e princípios legalmente estabelecidos”.

Ainda assim, conclui Fernando Marques, “o saldo global do sistema mantém-se positivo” e, por conseguinte, não faz sentido o alarmismo sobre a capacidade de pagamento de pensões dum sistema que, como refere o gráfico publicado no relatório, reforçou-se fortemente a partir de 2016.

No relatório sobre sustentabilidade da Segurança Social, a CGTP-IN considera que o “crescimento económico médio previsto para o período de projeção (2019-2060) é de apenas 1,2%, num período em que, pelo menos até 2030, estão previstos abundantes fundos europeus num contexto de aceleramento da inovação e transformação tecnológica”. E, refere-se, “se assim for, também estarão em risco os outros sistemas sociais” porque, “em última análise, com baixo crescimento é a sustentabilidade do país que estará em causa”. Daí concluir-se no relatório, “desde que se tomem as medidas adequadas, nunca o sistema deixará de ser sustentável”.

Por outro lado, este relatório aponta ainda para entre outras medidas como “a necessidade de incentivos à natalidade” medidas que travem e revertam “a saída de milhares de trabalhadores do país, na sua maioria jovens e muitos com altas qualificações”, uma maior eficácia na cobrança de dívidas de contribuições” de combate à “fraude e evasão contributivas, que em vez de decrescer se tem agravado”. A central sindical lembra que “o montante da dívida de terceiros ascendeu a 13336 MM€ o que representou um valor equivalente a 6,2% do PIB e que a cobrança de dívida é pouco eficaz”.

Sobre novas formas de financiamento a CGTP-IN aponta para um processo misto que mantenha o atual sistema de financiamento contributivo, acrescido de uma taxa sobre o Valor Acrescentado Líquido.

Os contributos da emigração

Segundo o relatório Estatístico Anual do Observatório das Migrações, em 2008 entre 2014 houve uma diminuição das contribuições e do número de contribuintes estrangeiros, diminuindo também em 11% a população estrangeira residente, entre 2011 e 2015.

Já em 2020, refere-se no relatório, “embora o saldo da segurança social com estrangeiros residentes continue a refletir um forte incremento face aos anos da crise económica e financeira, em 2020 o saldo é “superior em +110,7%“, em comparação com o saldo do início da década, em 2011, e “+193,3% face a 2013, quando atingiu o valor mais baixo”.

O contexto de COVID-19 fez aumentar os mecanismos de proteção social em Portugal e também os montantes processados com prestações sociais para estrangeiros, porém “este aumento substantivo dos montantes com as prestações sociais em 2020 foi fortemente compensado pelo contínuo incremento dos montantes de contribuições de estrangeiros para o sistema de segurança social (+8% face a 2019, +93,3% face a 2011 e +148,6% face a 2013)”.

Idêntica tendência se verifica em 2021, em que, refere-se, há “um novo incremento dos montantes processados com prestações sociais para estrangeiros (+19,1% face ao ano anterior), que é novamente compensado pelo reforço dos montantes de contribuições de estrangeiros para o sistema de segurança social (+20,3% em 2021 face ao ano anterior)”. Nesse ano, o total de contribuições da imigração totalizou 1293,2 milhões de euros.

Conclui o relatório que “globalmente a população estrangeira residente em Portugal tem um papel importante para contrabalançar as contas do sistema de Segurança Social, contribuindo para um relativo alívio do sistema e para a sua sustentabilidade”. E que, “a continuação dos valores positivos dos saldos financeiros do sistema de Segurança Social português com estrangeiros reforça também a conclusão de que a imigração em Portugal é essencialmente laboral e ativa, contrariando o argumento defendido em alguns países europeus de que a imigração tem iminentemente objetivos de maximizar apoios públicos e, assim, desgastar as contas públicas das sociedades de acolhimento”.

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