A Febre das Almas Sensíveis

de Isabel Rio Novo – Edição D.Quixote

A peste negra, a bubónica, a gripe que em 1918 veio de Espanha, trazida pelos ventos aziagos que, diz-se, do país vizinho vêm, epidemia que devastou em Portugal mais de 60 mil almas, eram males cíclicos, ligados sobretudo aos focos de infecção, como escreveu Cesário, que corriam a céu aberto pelas ruas das nossas cidades e vilas.

A humidade das casas, a ausência de hábitos de higiene, a fome e a miséria estão na origem de grande parte destas maleitas. A tuberculose, doença detectada no século XVIII, tendo a sua incidência mais devastadora nos finais do século XIX e na primeira metade do séc. XX, coincide com os alvores do romantismo, arrastando no seu caudal de bacilos, febres e temores um vasto número de autores do movimento, prosadores e poetas, entre os quais Walt Whitman, as irmãs Brontë, Anton Tchekov, Balzac e, entre nós, Cesário Verde, António Nobre, Júlio Diniz, Soares de Passos, José Duro e outros. 

Doença «dos poetas» a designaram, não só por coexistir com esse período estético/filosófico, essa romântica atracção de abismo, de paixões extremas, quase irracionais, que só o túmulo mitigava; “as dores da alma” que Freud transmudaria em males da psique, mas igualmente pelos seus sintomas bacteriológicos, que de poético nada tinham mas que envolviam o mórbido do universo romântico: a febre, o cansaço, o definhamento físico. 

Doença de gente frágil, com pulmões fracos, dir-se-ia democrática dado que a ela sucumbiram homens e mulheres de todas as origens sociais, embora os pobres a sofressem de modo mais grave e demoradamente, a tuberculose foi estigmatizada, tal como a Sida e o cancro o são nos nossos dias, embora por razões diversas.

 A Febre das Almas Sensíveis, romance de Isabel Rio Novo diz-nos dessas maleitas do peito com raro apuro narrativo, inventariando a luz e a sombra, os saudáveis e os enfermos, os constrangimentos sociais e os estigmas da doença, as complexas relações da família disfuncional de Armando, também ela imbuída de alguns traços do decadentismo romântico.  

O romance de Isabel Rio Novo, descrito em dois planos discursivos que se interpenetram, a voz que narra e uma voz outra que inventaria o tempo salazarento, um tempo sem futuro onde a esperança chegava sempre tarde, do qual só restam, no Caramulo e em Penacova, monumentais ruínas.

Rio Novo dá-nos um romance de alerta e de memórias, que habita habilmente o nosso tempo também ele portador de maleitas e de esconjuros. Um romance que traz para a modernidade o espectro da finitude.

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