Opinião

Nawajutsu, a extrema-direita e a esquerda

Atar alguém não é simples. Primeiro, porque essa pessoa resiste. Depois, porque deve ser mantida imobilizada, como se quisesse estar aprisionada.
É difícil, mas não é impossível. Nawajutsu é uma arte marcial japonesa que integra técnicas de captura e detenção com cordas. Passagens certeiras e nós pensados transformam cada tentativa de libertação em subjugação. Libertar o pulso, aperta o pescoço e, para não se magoar, a imobilidade é a melhor forma de aguentar a detenção.

Vem isto a propósito das estatísticas das contas externas. A Balança Corrente – composta sobretudo pela Balança de Bens e a de Serviços – passou de um défice quase de 13% do PIB em 2008, para um superávite de 2% em 2013. Mas em 2019, já havia outra vez um défice. Quando se soube, logo emergiram vozes de alerta. Que o PS apoiado à esquerda dera a perder o que fora feito pela direita, e que eram necessárias reformas estruturais. Quais? Nunca ninguém diz.

Mas será assim? De facto, a direita reequilibrou as contas externas. Mas fê-lo provocando uma histórica recessão. O desemprego atingiu cerca de 1,4 milhões de pessoas! Os efeitos dessa terapia no investimento e nos serviços públicos ainda se sentem quase dez anos depois.

Este desastre tinha, porém, um fito. Conceder às empresas uma redução duradoura dos custos salariais para se tornarem competitivas. Conseguiu-se a redução salarial, mas não o resto.

Aliás, o mesmo objectivo foi traçado desde os anos 80 – forçar os empresários a um choque competitivo. A economia enredou-se numa progressiva integração europeia; atou-se o escudo até se fundir no euro, precisamente quando a UE deslaçou barreiras alfandegárias com o exterior; transferiu-se poderes para a escala federal; conteve-se as contas públicas e impediu-se o seu uso para proteger a economia nacional, enquanto se abria ao investimento estrangeiro. Ora, essa política falhou.

Muitos empresários largaram campos e indústrias e dedicaram-se aos serviços. O capital estrangeiro tomou sectores estratégicos e cresceu o défice da Balança de Bens – de 10% do PIB em 1994 para 15% em 2008. A recessão reduziu-o para 5%, mas em 2019 já subira para 8,6% do PIB. Ultimamente, desde 2007, esta realidade ficou escondida por um superávite da Balança de Serviços, fruto da subida do turismo. Mas é uma ilusão: o turismo só pode crescer em extensão e é perigosamente volátil.

E aqui reside o problema. O enquadramento político-institucional da UE impede o tecido produtivo de ser protegido e, quando se relança o investimento, Portugal fica na situação do prisioneiro atado.

Este imbróglio tem, ainda, reflexos políticos. O poder político – mesmo do PS – perdeu uma visão para o país. Os políticos envelhecem e são substituídos por segundas e terceiras linhas, já nascidas no sistema Nawajutsu. Não surgem ideias novas e tudo se agrava. Afastada por um duro dia-a-dia e por uma comunicação social no mínimo adormecida, a vida dos governados é de estagnação: dos salários reais, dos horários sem fim mal pagos, da falta de meios para formar famílias.

Este é um terreno propício. Surgem partidos à direita. O seu discurso realça a insegurança, ressentimentos calcados como a guerra colonial, a corrupção e aponta-se o dedo ao inimigo externo à vista. Em 2013, entraram 17554 imigrantes permanentes. Em 2018, eram já 43170 pessoas. E são promovidos por órgãos como TVI, grupo Cofina e Observador, mais não seja por ser um novo mercado de audiências. Um estudo do ICS mostra que os novos partidos aliciam homens e mulheres, empregados de escritório dos grandes centros urbanos, trabalhadores não manuais com algumas qualificações, mas sem poder de influência.

Mas se o protesto é novo, o seu programa é velho. Quando expõem ideias, resvalam para chavões. Mas ganham votos. Têm dinheiro porque alguém aposta neles. É uma tropa eleitoral para que tudo fique na mesma.
E à esquerda, estranhamente, não se sabe o que fazer. Se os contestam, dão-lhes importância; se nada fazem, promovem-nos. Na realidade, apenas têm de lutar contra as suas ideias, pelas pessoas que eles visam contaminar.

Mas a mesma pergunta deve ser feita a todos: como se muda este sistema Nawajutsu que nos mantém subjugados, resignados à inacção? Porque qualquer gesto nos magoará e, de uma forma ou doutra, vamos sofrer.

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