“Eddington” estreou em finais de Agosto nas salas de cinema nacionais, e é realizado por Ari Aster, que deu a Joaquim Phoenix o papel do xerife protagonista Joe Cross. O filme é um retrato por vezes hiperbólico de uma comunidade, mas que sublinha uma certa alienação em que a sociedade actual vive. O centro temporal é o verão pandémico de 2020, e tudo acontece na pequena cidade de Eddington, no Novo México. O vírus COVID-19 tinha despertado, e existiam sobre ele muitas incógnitas. Joe Cross é ainda bastante céptico; é com relutância que cumpre as regras do uso de máscara e da distância higiénica. As suas preocupações prendem-se com o pânico de alguns cidadãos, que os leva à falta de compaixão e a elaborar juízos sobre os outros. Numa cena inicial, à porta de um supermercado, o segurança e as pessoas na fila do exterior estão a ser violentas com um idoso que quer entrar sem máscara, alegando que com ela não consegue respirar. Joe defende o homem, e entra também sem máscara. A situação é ostensivamente filmada por outros clientes no interior da loja. O homem acaba por sair sem compras. O xerife sai, e oferece àquele habitante de Eddington o que ele acabou por não conseguir comprar. O momento é paradigmático do pânico e consequente divisão que aconteceu entre as pessoas, como consequência do desconhecido que o mundo viveu há cinco verões atrás.
Um país dividido, e um vírus que quebra a comunicação
Ted Garcia (Pedro Pascal), o presidente da câmara, é um cumpridor escrupuloso de todas as regras; as rivalidades aguzidam-se quando Joe decide candidatar-se para as próximas eleições a “mayor” da cidade. Os Estados Unidos da América são um país dividido, ainda que plural e supostamente livre. A acrescentar a tudo, isto surgem os protestos contra o então recente brutal assassinato de George Floyd às mãos das autoridades policiais, em Maio de 2025, no Minneapolis, que põem a juventude de Eddington contra a polícia local, em defesa da igualdade e contra a discriminação racial.
Uma onda de paranoia está em efervescência, tanto por parte dos que sentem o vírus como uma grande ameaça, como por aqueles que não se conformam com as injustiças sociais que prevalecem e separam o povo americano.
Joe Cross é uma personagem excessiva, apesar de querer manter um certo equilíbrio relativamente ao sentido de justiça humana, mais do que cumprir cegamente a Lei e as medidas impostas pela situação pandémica. Ted Garcia é um homem movido pelo poder e pela sua auto-imagem; só lhe interessa o reforço do seu poder e a campanha política que está em curso.
A desunião entre habitantes aumenta. A reivindicação rapidamente progride para actos violentos e de destruição. Semelhante escalada de “loucura” acontece por parte do xerife Joe, como reacção ao que se tornou incontrolável em Eddington, e contra o populismo e a falta de empatia do presidente de câmara e candidato Ted. A sua violência, noutro contexto e noutro estilo, poderiam ser um ponto dramático mal aplicado a este enredo. Porém, no auge da pandemia e do isolamento que todos enfrentámos, é totalmente justificada. O exagero reforça até que ponto cada cidadão consegue ir perante a incerteza, os perigos e a ausência de sensibilidade. As palavras do realizador e argumentista Ari Aster, numa entrevista ao site rogerebert.com, ajudam a acrescentar outros sintomas em iminência na sociedade civil, tanto norte-americana como mundial: “Tentei não julgar nenhuma das personagens. Acima de tudo, estava a tentar afastar-me o máximo que conseguia, para dar um panorama alargado da paisagem. Não apenas a paisagem física da cidade, mas também o sentido ideológico da comunidade. Todas estas pessoas vivem na internet, e vêem o mundo através dessas janelas estranhas e individualizadas.” Cabe a cada um de nós optar por um espírito fraterno e de partilha comunitária.
