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José Luís Borges Coelho, o maestro de vozes, da história e de resistência

No passado Domingo, 24 de Agosto, morreu no Porto José Luís Borges Coelho. Maestro, investigador, compositor, professor, tradutor, activista político, sindical e cívico, Borges Coelho é uma figura ímpar e fundamental na história do ensino da música em Portugal, na luta por uma sociedade democrática e livre, respeitado e reconhecido pelo seu trabalho incansável e de qualidade excepcional na promoção da cultura, do ensino, na investigação académica e na sua participação cívica, antes e depois do 25 de Abril de 1974.

Nascido em Murça, em 1940, licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, concluiu o Curso Superior de Canto do Conservatório de Música do Porto, foi professor em diversas escolas do ensino preparatório e secundário na área do grande Porto e desempenhou vários cargos directivos em instituições, destacando-se o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga, a Academia de Música de Viana do Castelo, a Cooperativa de Ensino Superior Artístico Árvore e a Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto. Como compositor colaborou com grupos teatrais como o Teatro Experimental e a Seiva Trupe, e em diversos filmes do cineasta Manoel de Oliveira.

Entre 1966 e 2023, dirige o Coral de Letras da Universidade do Porto (CLUP), desempenhando um papel fundamental, como maestro fundador e titular durante mais de 50 anos, para a divulgação da música coral portuguesa, quer do passado quer contemporânea, em particular na estreia da importante e riquíssima obra coral do compositor Fernando Lopes-Graça. Através das suas competências musical e artística, da sua generosidade e carácter interventivo, José Luís Borges Coelho fundou muito mais do que um coro, o CLUP “é voz, história e resistência” que “canta a liberdade, a memória e o futuro”.*

Os seus ideais políticos e sociais revelavam-se na sua acção cívica e sindical antes e depois da queda do Estado Novo, integrando o Grupo de Estudos do Pessoal Docente, mais tarde fundador do Sindicato dos Professores da Zona Norte e da Associação dos Professores do Ensino da Música; foi membro do Gabinete de Imprensa do MDP/CDE em 1973 e candidato a deputado a várias eleições nas listas da APU e da CDU; desempenhou diversos cargos em congressos e no sector intelectual do Partido Comunista Português, do qual era militante.

Numa entrevista ao jornal A Voz do Operário em Abril de 2024, o seu filho Miguel Borges Coelho, pianista e professor, recorda histórias passadas do seu pai enquanto activista político e anti-fascista referindo que “o meu pai não era pessoa de não dizer o que pensava, nunca, nem mesmo antes do 25 de Abril. Nunca foi preso, mas teve vários processos disciplinares por dizer coisas a mais…!”. E conta, com descontracção e entre risos, uma acção enquanto estudante que lhe valeu um processo disciplinar antes do 25 de Abril: “num exame nacional escreveu o seu protesto na própria folha de exame, enchendo-a de “més”, chamando “carneiros” a todos os professores que faziam aqueles exames!”

No entanto, a sua visão progressista e o seu trabalho exemplar enquanto professor e músico levaram a uma valorização e reconhecimento das suas capacidades e competências independentemente da orientação política. Foi convidado, num dos governos de Cavaco Silva, a fazer parte do GETAP (Gabinete do Ensino Técnico, Artístico e Profissional) para trabalhar sobre o ensino da música, sendo responsável pela fundação das Escolas Profissionais de Música, contribuindo, assim, para a descentralização do ensino artístico, permitindo que muitas famílias sem recursos pudessem encontrar uma saída profissional para os seus filhos, formando-se gerações de músicos portugueses de excelência, reconhecidos nacional e internacionalmente.

Foi agraciado com inúmeras distinções, a última das quais o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto, em 2017.

Terminando com as suas palavras de esperança, numa intervenção aquando das comemorações do 25 de Abril em 2008, despedimo-nos deste grande humanista: “ … este pulsar colectivo que é o nosso, amassado de sonho e desengano, de pequenas vitórias mas também de clamorosas derrotas, este pulsar movido pela certeza, que nada foi capaz de abalar, de que a humanidade não tem futuro se não abraçar, mais tarde ou mais cedo, as grandes causas, que nos vêm já da Revolução Francesa, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, e que nós formulamos numa expressão muito mais concreta, muito mais avançada, quando colocámos como objectivo da nossa luta o fim da exploração do homem pelo homem.”

*in https://www.coraldeletras.com/coral-de-letras-uporto

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